Qualidade da água, sistemas de cultivo, planejamento da produção, manejo nutricional e alimentar e sanidade. Parte II

Eng° Agr° Fernando Kubitza (Ph. D.)
Méd. Vet. Ludmilla M. M. Kubitza 
ACQUA & IMAGEM SERVIÇOS
Jundiaí, SP (Tel/fax: 0xx11 – 7397-2496)


Inúmeras são as variáveis e processos que envolvem a qualidade final do peixe para consumo. Neste artigo serão apresentados os aspectos básicos do manejo nutricional e alimentar, bem como as principais parasitoses e doenças no cultivo comercial de tilápias. O leitor poderá obter informações mais detalhadas sobre estes assuntos nas edições 52 e 53 da Revista Panorama da Aqüicultura, no livro “Principais Parasitoses e Doenças dos Peixes Cultivados” 3a. Ed. (Kubitza e Kubitza 1999) e no livro “Tilápia: tecnologia e planejamento na produção comercial” (Kubitza 2000) que será lançado no 5 ISTA -Simpósio Internacional sobre Tilápia na Aqüicultura.


MANEJO NUTRICIONAL E ALIMENTAR

Os alimentos podem compor 40 a 70% do custo de produção de tilápias, dependendo do sistema de cultivo empregado, da escala de produção, da produtividade alcançada, dos preços dos outros insumos de produção, dentre outros fatores. Os produtores podem minimizar de forma significativa este custo com a adoção de um manejo alimentar adequado e uso de rações com qualidade compatível com as diferentes fases de desenvolvimento dos peixes e com o sistema de cultivo utilizado. Através de uma adequada nutrição e manejo alimentar é possível:

· Melhor explorar o crescimento dos peixes e aumentar o número de safras anuais.

· Melhora a eficiência alimentar, minimizando os custos de produção.

· Reduzir o impacto poluente dos efluentes da piscicultura intensiva, aumentando a produtividade dos sistemas de produção.

· Obter melhor saúde e maior tolerância às doenças e parasitoses.

· Melhorar a tolerância dos peixes ao manuseio e ao transporte vivo.

· Incrementar o desempenho reprodutivo e a qualidade das pós-larvas e alevinos.

· E, finalmente, otimizar a produção e maximizar as receitas da piscicultura.

Com a recente intensificação do cultivo das tilápias em diversos países, inclusive no Brasil, utilizando tanques-rede, raceways e tanques com recirculação de água (sistemas onde a disponibilidade de alimento natural é limitada), houve um aumento na incidência de desordens nutricionais devido ao inadequado enriquecimento vitamínico e mineral das rações. Estes sistemas mais intensivos demandam o uso de rações nutricionalmente completas, com enriquecimentos vitamínicos e minerais. Mais informações sobre as exigências nutricionais e os subsídios à formulação de rações para tilápias podem ser encontrados no artigo de Kubitza nas edições 52 e 53 desta revista. Neste artigo nos limitaremos aos aspectos práticos do manejo alimentar no cultivo intensivo de tilápias.

A importância do alimento natural na nutrição de tilápias

O alimento natural dos peixes é composto de inúmeros organismos vegetais (algas, plantas aquáticas, frutos, sementes, entre outros) ou animais (crustáceos, larvas e ninfas de insetos, vermes, moluscos, anfíbios, peixes, entre outros). Algumas espécies de tilápias, em particular a tilápia-do-Nilo, aproveitam de forma eficiente o fito e o zooplâncton. Em viveiros com baixa renovação de água, cerca de 50 a 70% do crescimento de tilápias foi atribuído ao consumo de alimentos naturais, mesmo com o fornecimento de ração suplementar. Este detalhe explica o menor custo de produção de tilápias em viveiros de baixa renovação de água comparado ao cultivo intensivo em tanques-rede e raceways. O plâncton é rico em energia e em proteína de alta qualidade e serve como fonte de minerais e vitaminas no cultivo de tilápia em viveiros. Estudos realizados em Israel demonstraram, com base na resposta em crescimento, não ser necessário o enriquecimento vitamínico em rações usadas no cultivo de tilápias em viveiros com disponibilidade de alimentos naturais. No entanto a suplementação vitamínica das rações melhorou a sobrevivência dos peixes. Em Israel, apenas as rações destinadas às pós-larvas e ao cultivo em sistemas mais intensivos recebem suplementação vitamínica completa. Esta suplementação também é feita em rações usadas no período de inverno e no tratamento de peixes doentes ou sob estresse.

Rações suplementares

A produção de tilápias em viveiros de baixa renovação de água pode ser feita de forma eficaz com o uso de rações suplementares (nutricionalmente incompletas). De um modo geral estas rações não dispõem de um correto balanço em aminoácidos essenciais, apresentam menores níveis protéicos (22 a 24%), maior relação energia/proteína e não são suplementadas, ou o são apenas parcialmente, com premix vitamínico e mineral.

Rações nutricionalmente completas

Estas rações devem ser empregadas em sistemas de produção onde a disponibilidade ou o acesso ao alimento natural é limitado. O sucesso do cultivo de tilápias em raceways ou em tanques-rede depende do uso de rações completas. Estas rações também são necessárias em viveiros quando a biomassa ultrapassa 6.000 kg/ha. Nas rações completas todos os nutrientes devem estar presentes de forma equilibrada e em quantidades que supram as exigências dos peixes para um adequado crescimento, saúde e reprodução. O enriquecimento em vitaminas e microminerais é completo.

Programa nutricional e alimentar para tilápias

Na Tabela 1 são apresentadas sugestões quanto a composição nutricional básica, a necessidade de suplementação vitamínica e mineral, a forma de apresentação e o tamanho dos peletes em rações para tilápias em diferentes fases de desenvolvimento e sistemas de cultivo.

Tabela 1. Sugestões quanto aos níveis de proteína bruta (PB), energia digestível e suplementação vitamínica (Sup. vitam.) e mineral (min.) em rações para tilápias nas diferentes fases de desenvolvimento, cultivadas em viveiros com plâncton (VIV) ou em tanques-rede e raceways (TR/RW).
Tabela 1. Sugestões quanto aos níveis de proteína bruta (PB), energia digestível e suplementação vitamínica (Sup. vitam.) e mineral (min.) em rações para tilápias nas diferentes fases de desenvolvimento, cultivadas em viveiros com plâncton (VIV) ou em tanques-rede e raceways (TR/RW).

Manejo alimentar na reversão sexual

A reversão sexual é aplicada em pós-larvas com 9 a 13mm. A ração com 30 a 60mg de metiltestosterona/kg deve ser fornecida em 5 a 6 refeições diárias. Durante uma refeição os peixes devem ser alimentados até serem saciados. Para tanto, é preciso que o tratador observe atentamente o consumo e a atividade dos peixes, evitando excessiva sobra de ração nas unidades de reversão. O uso de anéis de alimentação facilita o manejo alimentar em hapas e permite uma boa observação do consumo quando a reversão é realizada em unidades de maiores dimensões (hapas, tanques e viveiros). Os peixes devem receber rações com metiltestosterona por um período de 28 dias. Cerca de 600 a 800 gramas de ração são necessárias para 1.000 alevinos de 4 a 5 cm produzidos.

Nutrição e manejo alimentar na recria e engorda

A importância do alimento natural, notadamente o plâncton, no crescimento das tilápias já foi ressaltado anteriormente. Muitos sistemas de produção combinam os benefícios do alimento natural com o uso de rações suplementares ou completas, visando um aumento na produtividade e melhora na conversão alimentar. Os piscicultores e nutricionistas devem estar atentos para ajustar a densidade dos nutrientes nas rações e o manejo alimentar em função do sistema de cultivo adotado, otimizando a produtividade e minimizando os custos de produção.

Manejo alimentar na recria (5 a 100g) em viveiros com plâncton

Enquanto a biomassa de tilápias em viveiros de recria com plâncton não ultrapassar 4.000 kg/ha, rações com 24 e 28% de proteína, 2.600 a 2.800 kcal de ED/kg e sem enriquecimento vitamínico e mineral podem ser utilizadas mantendo adequado crescimento e conversão alimentar. A taxa de alimentação deve ser ajustada entre 4 a 2% do peso vivo ao dia, do início ao final desta fase, sendo estas quantidades divididas em 2 refeições diárias. O uso de rações flutuantes permite melhor ajustar a quantidade de ração fornecida. Alimentar os peixes tudo o que eles podem consumir numa refeição maximiza o crescimento, o que é desejado nas fases iniciais. Porém, tal prática pode não ser a melhor estratégia do ponto de vista econômico, principalmente nas fases de engorda. Na Tabela 2 pode ser observado o efeito dos níveis de alimentação sobre o crescimento e a conversão de tilápia. Níveis de alimentação entre 4 a 2% do PV ao dia podem parecer, à princípio, insuficientes para peixes entre 5 a 100 gramas. No entanto, não deve ser esquecido que os peixes consomem plâncton o tempo todo, complementando o nível de ingestão de alimentos. A conversão alimentar na recria em tanques com plâncton deve ficar abaixo da unidade, com valores de 0,8 sendo bastante comuns. Se isto não se confirmar, pode estar ocorrendo problemas na qualidade da ração, qualidade da água, manejo alimentar, produção de plâncton, qualidade dos alevinos, doenças, ou baixas temperaturas.

Tabela 2. Influência da taxa de alimentação diária sobre o ganho de peso (GDP) e conversão alimentar (Conv. alim.) de alevinos de tilápia do Nilo em aquários (Xie et al 1997) e de tilápia vermelha da Flórida, híbrido entre O. hornorum e O. mossambicus, cultivadas em tanques-rede (Clark et al 1990).
Tabela 2. Influência da taxa de alimentação diária sobre o ganho de peso (GDP) e conversão alimentar (Conv. alim.) de alevinos de tilápia do Nilo em aquários (Xie et al 1997) e de tilápia vermelha da Flórida, híbrido entre O. hornorum e O. mossambicus, cultivadas em tanques-rede (Clark et al 1990).

Quando a biomassa nos viveiros ultrapassar os 4.000 kg/ha, o plâncton disponível não é capaz de complementar a nutrição e manter os mesmos índices de desempenho dos peixes na recria. A partir deste ponto é recomendável o uso de rações com 28 a 32% de proteína, energia digestível entre 2.900 a 3.200 kcal/kg (Tabela 1) e suplementação mínima de vitaminas e minerais, conforme recomendado por Kubitza (Revista Panorama da Aqüicultura, vol. 9, nos. 52 e 53 1999). Deve ser esperada uma piora nos índices de conversão alimentar a partir deste ponto, devido tanto à diminuição no plâncton disponível por animal, quanto à deterioração progressiva na qualidade da água. Ainda assim, conversão alimentar entre 1,0 e 1,2 deve ser obtida. Sob condições adequadas de temperatura da água (28 a 32°C), tilápias de 5g devem atingir o peso de 100g entre os 60 a 70 dias de recria em viveiros com plâncton. Se isto não ocorrer, confira as densidades de estocagem, a qualidade da água e das rações, a abundância de alimento natural, o manejo alimentar e a qualidade dos alevinos.

Manejo alimentar na recria (5 a 100g) em tanques-rede e raceways

Em tanques-rede e raceways a disponibilidade de alimento natural é limitada e os peixes estão submetidos a uma maior pressão de produção e estresse. Portanto, é recomendável que as rações sejam mais concentradas em proteínas (36 a 40%), energia digestível (3.200 a 3600 kcal/kg) e recebam um enriquecimento mineral e vitamínico ainda maior, conforme sugerido na Tabela 1. Descuido com estes detalhes pode resultar em grandes perdas econômicas devido ao reduzido crescimento e conversão alimentar, aos distúrbios nutricionais e a uma maior susceptibilidade dos peixes às doenças. A taxa de alimentação diária deve ser ajustada para 6 a 3% do peso vivo ao dia, do início ao final desta fase. Esta quantidade de alimento deve ser dividida em 3 refeições. O consumo pode ser aferido periodicamente alimentando os peixes tudo o que eles puderem consumir durante dois ou três dias. Utilizando a média de consumo nestes dias, a taxa de alimentação deve ser ajustada para 80 a 90% deste valor. Quando o objetivo for máximo crescimento, mesmo em detrimento da conversão alimentar, os peixes devem ser alimentados à vontade. A conversão alimentar nesta fase deve girar entre 1,1 e 1,3.

Manejo alimentar na engorda (100 a 600g) em viveiros com plâncton

Durante a engorda em viveiros até aproximadamente 6.000 kg/ha, o piscicultor pode utilizar rações sem suplementação mineral e vitamínica, com 24 a 28% de proteína e energia digestível de 2.600 a 2.800 kcal/kg. O nível de arraçoamento deve ficar entre 2 a 1% do peso vivo ao dia, do início ao final desta fase, dividido em 2 refeições. O tempo necessário para que as tilápias alcancem 600g não deve ultrapassar 110 dias sob condições adequadas de temperatura. A conversão alimentar deve ficar entre 1,2 a 1,5. Se o objetivo é produzir mais do que 6.000 kg de tilápia/ha, a partir desta biomassa é recomendável o uso de uma ração suplementada com minerais e vitaminas e com maior concentração protéica (28 a 32%) e energética (2.800 a 3.000 kcal/kg). Deve se esperar uma piora nos índices de conversão alimentar (1,5 a 1,8) e uma redução na velocidade de crescimento, devido à diminuição no plâncton disponível e a progressiva redução na qualidade da água.

Manejo alimentar na engorda (100 a 600g) em tanques-rede e raceways

Nestas condições devem ser usadas rações com 32 a 36% de proteína e 2.900 a 3.200 kcal ED/kg. O enriquecimento mineral e vitamínico deve ser dobrado. O arraçoamento diário varia de 3 a 1,5% do peso vivo, sendo dividido em 3 a 2 refeições do início ao fina desta fase. A expectativa de conversão alimentar é de 1,4 a 1,8. Sob condições adequadas de temperatura (28 a 32°C), são necessários 120 a 130 dias para as tilápias alcançarem 600g.

Tabelas de alimentação para tilápias

As tabelas de alimentação podem auxiliar no ajuste da quantidade de ração fornecida as tilápias. No entanto, devemos ter em mente que outros fatores diferentes da temperatura e do tamanho dos animais podem influenciar o consumo de alimento em tilápias. Assim, o piscicultor deve ficar bem atento ao manejo da alimentação, ajustando o arraçoamento de acordo com a resposta dos peixes e com as alterações na qualidade da água.

Tabela 3. Recomendações gerais da taxa de alimentação e do número de refeições por dia (Ref./dia) na produção da tilápia em tanques-rede usando ração flutuante com 32% de proteína bruta, sob diferentes condições de temperatura da água (adaptado de Schmittou, sem data).
Tabela 3. Recomendações gerais da taxa de alimentação e do número de refeições por dia (Ref./dia) na produção da tilápia em tanques-rede usando ração flutuante com 32% de proteína bruta, sob diferentes condições de temperatura da água (adaptado de Schmittou, sem data).
Tabela 4. Recomendações da taxa de alimentação para tilápias cultivadas em sistemas de recirculação e raceways (Rakocy 1989).
Tabela 4. Recomendações da taxa de alimentação para tilápias cultivadas em sistemas de recirculação e raceways (Rakocy 1989).
Nutrição e manejo alimentar de reprodutores

Para a produção de pós-larvas e alevinos de tilápias em quantidades e qualidade que supram a crescente demanda de mercado, é preciso atenção especial no que diz respeito à nutrição de reprodutores. A intensa coleta de pós-larvas ou ovos gera a necessidade de fornecer aos reprodutores um alimento nutricionalmente completo. A seguir são resumidos o resultados de alguns estudos sobre o efeito da nutrição no desempenho reprodutivo de tilápias:

Tabela 5. Efeito da suplementação ou não de rações com ácido ascórbico sobre o desempenho reprodutivo e o desenvolvimento das pós-larvas de tilápia de Mossambique, Oreochromis mossambicus (Soliman et al. 1986).
Tabela 5. Efeito da suplementação ou não de rações com ácido ascórbico sobre o desempenho reprodutivo e o desenvolvimento das pós-larvas de tilápia de Mossambique, Oreochromis mossambicus (Soliman et al. 1986).

Tabela 6. Efeito do tipo de alimento no desempenho produtivo da Tilápia de Moçambique (adaptado de Uchida e King 1960).
Tabela 6. Efeito do tipo de alimento no desempenho produtivo da Tilápia de Moçambique (adaptado de Uchida e King 1960).

Tilápia de Moçambique O. mossambicus:

• Rações deficientes em vitamina C resultou em reduzida taxa de eclosão, aumento na proporção de embriões deformados, atraso no crescimento e redução na sobrevivência das pós-larvas e dos alevinos (Tabela 5).

• Uchida e King (1960) observaram que reprodutores de Tilápia de Moçambique alimentados com ração para peixes (25%PB), produziram 6 vezes mais pós-larvas comparados a reprodutores alimentados com ração para coelho (16% PB) e, 14 vezes mais que reprodutores alimentados com um subproduto da moagem de trigo (12%PB; 10% fibra), conforme apresentado na Tabela 6.

Tilápia-do-Nilo Oreochromis niloticus:

• Baixos níveis de proteína na ração resultou em atraso na maturação sexual (puberdade) e no desenvolvimento e maturação dos oócitos (Gunasekera et al 1995)

• Machos alimentados com ração contendo farelo de algodão apresentaram atraso na maturação dos testículos e redução no número e na motilidade dos espermatozóides (Salaro et al 1998a). Em fêmeas houve atraso e diminuição do número de desovas (Salaro et al 1998b). Estes efeitos foram atribuídos ao gossipol, fator anti-nutricional presente no farelo de algodão.

• Rações contendo 40% de farelo de folhas de leucena resultou em redução na produção de pós-larvas e no peso corporal das fêmeas. Estes efeitos foram atribuídos à mimosina, composto anti-nutricional presente na leucena (Santiago et al 1988).

Híbridos vermelhos de tilápia (Oreochromis spp.)

• Eguia (1996) observou uma produção de 6 a 12 pós-larvas/fêmea/dia em fêmeas de tilápia vermelha soltas em tanques e alimentadas com ração contendo 42% de proteína. Estes números não passaram de 2 pós-larvas/dia em fêmeas abrigadas em happas e que não foram alimentadas com ração.

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