Ranicultura Brasileira: Novos caminhos?

Por: Samuel Lopes Lima
Pesquisador e consultor, [email protected]
Cláudio Ângelo Agostinho 
UNESP/Botucatu, [email protected]
Onofre Mauricio Moura 
CFT/UFPB, [email protected] 


O segundo ciclo de palestras realizado pelo Instituto de Pesca-SP em novembro de 2003 evidenciou que os ranicultores ainda continuam acreditando no potencial da rani-cultura. As condições atuais do mercado são favoráveis e os inves-timentos realizados nos ranários e abatedouros especializados, trazem uma relativa confiança aos pro-dutores, sobre as boas perspectivas da atividade para os próximos anos.

 

A desvalorização do Real trouxe novas oportunidades para vários segmentos da agropecuária brasileira, inclusive para a ranicultura. Porém, o período de sobrevalorização da nossa moeda (1994 a 1999) foi dramático para os ranicultores. Na época, boa parte da produção era exportada (rãs vivas), para o mercado americano, especialmente para atender os orientais que lá residem, e carne congelada para o Mercosul. A perda de competitividade, quanto ao preço, inibiu as exportações, obrigando os produtores a desovarem internamente toda a produção. Infelizmente o mercado interno não estava preparado para absorver um repentino aumento da oferta. O resultado foi a paralisação, nos últimos anos, da atividade em vários ranários.

Agora a situação se reverte: falta rã no mercado interno e o preço do nosso produto voltou a ser competitivo no mercado externo. As exportações foram retomadas, porém, segundo informações dos próprios ranicultores, o montante dos pedidos dos importadores não poderia ser atendido, nem se juntassem a produção de todos os ranários do país. O desafio agora é ampliar a produção, através de ganhos de produtividade.

Dentro deste panorama, vale a pena refletir sobre quem são e quais as condições daqueles produtores que estão superando a crise, e como se espera que os agentes da cadeia se organizem doravante.

Atualmente se desconhece o número de ranários que operam no Brasil. O último levantamento (1999), estimava que 600 estavam em operação no País. Apesar da crise, alguns ranários se destacam para atender ao mercado. Um dos ranicultores pioneiros que continua ativo é o veterinário Dinis Lourenço da Silva, proprietário da empresa Ranajax. Ele é o responsável por catalisar grande parte dos ranicultores para contornar as dificuldades da comercialização, particularmente através de parcerias entre alguns produtores integrados à sua empresa, para a produção das rãs que exporta. Também faz parte deste esforço, Joaquim Barbosa (proprietário da empresa Rander) que, com a ajuda do veterinário Rui Donizete Teixeira, foi o pioneiro na implantação do primeiro abatedouro especializado em rãs, e nas primeiras iniciativas de divulgação da carne de rã no mercado interno. Dinis e Joaquim lideram a produção do país, com a integração de ranicultores na região de Brasília e Goiânia.

Em São Paulo, outro ranicultor pioneiro que continua ativo é o administrador de empresas Toshihide Hikischi, e o principal responsável pela comercialização de rãs, através da Central Brasileira de Comercialização e Distribuição de Rã Ltda (Central-Rã). Esta empresa dá os primeiros sinais de organização dos ranicultores para atender o mercado interno, passo importante para superar a crise.

É interessante observar que grande parte daqueles que estão superando a crise, são os pioneiros da ranicultura, que continuam confiantes das potencialidades do mercado. Eles dominam todo o ciclo de produção, até o abate, como são os casos das empresas Ranajax e Rander, embora existam outros ranários de grande porte operando, mas que encaminham suas rãs para abatedouros de terceiros. Papel importante é o das cooperativas, que pouco a pouco tentam superar a crise, agregando os pequenos e médios ranicultores no abate, processamento e comercialização de suas rãs.

Para se ter uma idéia do investimento na infra-estrutura destes ranários e abatedouros, descreve-se adiante, um breve resumo das características destes empreendimentos:

Empresa Rander

Possui duas unidades de produção e um abatedouro. A primeira unidade (Ranário Ouro Verde), localizada em Brasília, opera desde 1984. Possui cerca de 21.000 m2 de área construída, opera com 10 funcionários, com capacidade de produção estimada de 72 mil rãs por ciclo de produção (2,5 ciclos/ano). Possui 03 áreas para reprodutores, alojando 1.500 animais, 40 tanques de girinos, alojando 800 mil animais, e 216 baias para a recria (engorda) com capacidade de 80 mil rãs.

A segunda unidade de produção, denominada de RANAgen, ainda em fase de implantação, possui infra-estrutura específica para o desenvolvimento de linhagens comerciais. São 108 tanques de girinos, para criação de animais de diversas proles em estudos de genética e melhoramento, em área total de 900 m2. Conta com laboratório e infra-estrutura de apoio para equipe técnica, com aproximadamente 250 m2.

A empresa foi pioneira na implantação de uma indústria especialmente instalada para o abate e processamento de rãs, operando com todas as premissas estabelecidas pelo Serviço de Inspeção Federal, com 230 m², o abatedouro opera desde 1985 com capacidade de processamento de 4.000 rãs/dia (550 rãs/hora), com um turno de operação.

Empresa Ranajax

Opera como uma empresa integradora para a produção de rãs, desde 1995. Possui uma unidade específica para a reprodução, produzindo desovas e girinos para fornecer aos ranicultores integrados:

o Ranário Laranjeiras situa-se no município de Anápolis a 60 km de Goiânia, com uma capacidade de produção de dois milhões de girinos ao mês. A unidade de engorda de rãs da empresa de rãs é o Ranário Fujioka, com mais de 30.000 m2 de superfície. Localiza-se no município de Hidrolândia a 50 km ao sul de Goiânia, possuindo todas etapas da criação, sendo um dos maiores empreendimentos do mundo destinado à produção de rãs. Possui 340 tanques de criação de girinos e 35 tanques para a metamorfose, e 240 baias para a recria inicial e 345 na fase de terminação. Participam da produção da empresa, cerca de 10 ranários integrados, que recebem os imagos para engordar os animais até o abate, com uma capacidade total de produção estimada em 100 mil animais/mês. A Ranajax possui também um abatedouro com registro no Serviço de Inspeção Federal, habilitado a exportar carne fresca e/ou congelada. Atua no Mercosul e se prepara para atender o mercado europeu. Em 2002 fechou o ano com uma produção total de 167,37 t., sendo 88,68 t. de produção própria, e 78,69 t. dos ranicultores integrados. operação.

Empresa Rãmazon
(Ranário da Amazônia)

Localizado em Belém (PA) possui uma área total de 34.650 m², sendo 12.853 m² de área construída distribuída em tanques de acasalamento, galpão de eclosão, piscinas de girinos, galpões de engorda, áreas administrativas, arruamento, além da área verde e áreas livres para seu projeto de expansão.

Implantado ao final da década de 90, sua principal meta é a produção de animais vivos nos estágios de desova, girinos, imagos, rãs jovens, adultas e reprodutoras. O ranário se prepara para a comercialização de carne de rã congelada, resfriada, assim como, para a exportação da pele.

Empresa Lummon Agroindústria Ltda.

Operando a três anos, o ranário desta empresa talvez seja o mais novo grande empreendimento da ranicultura. Implantado próximo ao Município de Mogi das Cruzes, tem uma área total de 12 mil m2 de área construída, capacidade de produção inicial de 190 mil rãs para o abate.

São 250 m2 de área para os reprodutores, 12 tanques de eclosão (60 mil litros de água), 6 tanques de girinos (540 mil litros de água, 4 tanques de metamorfose (720 mil litros de água), e 190 baias de recria, com 20 m2 cada (3.800 m2), com meta de produção estimada em 10 toneladas/mês.Possui um sistema de tratamento de água, na entrada e na saída do ranário, além de um sistema de aquecimento, para atender os setores de metamorfose e recria. Tem um verdadeiro laboratório para os reprodutores, para atender a sua demanda de desovas. O abate de suas rãs é realizado na Cooperativa da região.

Empresa COOPERCRÃMMA

A Cooperativa Regional de Piscicultores e Ranicultores do Vale do Macacu e Adjacências Ltda., encontra-se na fase de treinamento do pessoal, se preparando para entrar em operação.

As obras de edificação do abatedouro iniciadas pelos ranicultores foram concluídas graças à parceria com os piscicultores, em 2003, com o apoio da Fundação Banco do Brasil, Governo do Estado do Rio de Janeiro, SEBRAE / FINEP e Prefeitura Municipal de Cachoeiras de Macacu. Tem 600 m2 de área construída, com capacidade de atender ao abate diário de 3.000 rãs/dia, com um turno de operação.

COORANVAP

A Cooperativa dos ranicultores da Região do Vale do Paraíba atende ranicultores das regiões vizinhas, abrangendo o Estado de São Paulo, Rio de Janeiro e Sul de Minas Gerais. Inaugurada em 1998, tem encontrado dificuldades, principalmente pelas condições do mercado, pois iniciou suas operações no início da mencionada crise. Possui uma unidade com 581 m2 de área construída e opera com um turno diário com capacidade de processamento estimada em 5.000 rãs/turno (714,82 Kg de carcaça processada).

Como trilhar o novo caminho?

Apesar da boa infra-estrutura disponível nestes empreendimentos, os ranicultores enfrentam vários obstáculos. O principal é o preço elevado da produção. A reclamação mais freqüente é o preço da ração. Eles utilizam ração para peixe carnívoro, cujo preço é elevado. Porém a maioria luta com a baixa produtividade, promovida por vários fatores: sanidade, instalações deficientes e manejo inadequado. Faltam técnicos especializados para apoiar o segmento. Por outro lado, a euforia entre os ranicultores (frente às novas oportunidades do mercado), contrasta com a falta de perspectivas dos pesquisadores, que querem contribuir no desenvolvimento tecnológico da atividade, mas só encontram obstáculos, pois falta apoio às pesquisas para o segmento.

Uma das lições tiradas da crise, é que agora os produtores aprenderam que precisam “vender o peixe”, ou melhor, a rã, agregando valor à atividade. Novos produtos começam a ser oferecidos aos exportadores: a carne fresca (resfriada) está sendo exportada, graças ao esforço do Dinis Lourenço da Silva, em superar as barreiras para legalizar as remessas junto ao mercado Europeu.

Alguns produtos elaborados a base de carne de rã estão em estudos na Embrapa Agroindústria de Alimentos e no UFPB e podem, em futuro próximo, fazer parte do portifólio de oferta. Um outro desafio será conseguir recursos para organizar os agentes da cadeia e levar adiante os projetos da iniciativa privada e do meio acadêmico, para dar suporte tecnológico às novas idéias, tais como a industrialização de produtos a base de carne de rãs.

Portanto, a definição dos novos rumos da ranicultura dependerá dos próprios agentes da cadeia produtiva. Recentemente, durante uma reunião paralela na Conferência Nacional da Aqüicultura e Pesca, onde estiveram presentes representantes dos ranicultores, foi aprovada a criação do comitê gestor da ranicultura. A proposta que se apresenta será a organização dos principais agentes, para viabilizar algumas idéias, que há muito se espera, sejam postas em prática (produtos industrializados). Os produtores que aderirem a proposta se comprometerão a garantir o fornecimento da matéria-prima, a preço de custo (sem lucro), para a industrialização, viabilizando assim, a oferta de novos produtos ao mercado (mesmo que em pequena escala).