Ranicultura: Universidade Federal da Paraíba consolida centro de referência no Nordeste

Por:
Onofre Maurício de Moura
Chefe do Setor de Ranicultura do Centro de Formação de Tecnólogos da UFPB.
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Alex Poeta Casali
Centro de Formação de Tecnólogos da UFPB.
[email protected]
Richélita do Rosário Brito Mendes
Centro de Formação de Tecnólogos da UFPB.
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A Região Nordeste, mesmo sendo preferencial para a ranicultura, não dispunha, até recentemente de instituição que se dedicasse à pesquisa, formação de recursos humanos e extensão dessa atividade agroindustrial, apesar de existirem criatórios no Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas e Bahia. A partir do ano 2000, essa deficiência vem sendo sanada com a implantação do Setor de Ranicultura do Centro de Formação de Tecnólogos (CFT), na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em seu Campus III, localizado na cidade de Bananeiras–PB (Figura 1).

Figura 1 – Vista geral do núcleo do CFT
Figura 1 – Vista geral do núcleo do CFT

 

A ranicultura é uma atividade agroindustrial relativamente recente e ainda carente de pesquisas e profissionais especializados no tocante aos diversos seguimentos da cadeia produtiva, se comparada a outras atividades já tradicionais. A Região Sudeste é a melhor aquinhoada sob esse aspecto, com instituições nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, dedicadas ao desenvolvimento, fomento e apoio técnico à ranicultura, congregando assim, a maioria dos profissionais a ela dedicados. Conforme definido por Lima e Agostinho em publicações de 1992, a região Sudeste possui restrições para a criação intensiva de rãs devido à variabilidade climática, com diferenciação relativamente acentuada entre as estações e elevadas amplitudes de temperatura, que podem ocorrer em um único dia. Essa variação climática afeta diretamente o desenvolvimento da rã, por apresentar no inverno longos períodos de temperaturas baixas, que diminuem o crescimento do animal, interferindo na produtividade. Para contornar este problema são necessários investimentos para a manutenção da temperatura e, em alguns casos, até mesmo calefação, o que eleva o preço do produto final.

O Bom Clima do Nordeste

A região do Brejo Paraibano, onde está localizado o Setor de Ranicultura, possui microclima preferencial para a criação de rãs. Apresenta temperaturas amenas, com pouca variabilidade, mesmo durante o inverno, e disponibilidade de água durante todo o ano apresentando, portanto, condições favoráveis à criação intensiva desses anfíbios com crescimento em todas as estações do ano.

O Setor de Ranicultura da UFPB iniciou suas atividades com os primeiros imagos colocados na recria, doados pela Ranajax (GO) e pela APECRÃ – Associação Pernambucana de Criadores de Rãs, esta última em atividade desde 1995. Sua principal proposta é a de ser um agente fomentador da ranicultura, orientado para a formação de recursos humanos através do ensino, pesquisa e extensão, com a geração e difusão de conhecimentos. Possui um caráter multidisciplinar abrangendo as áreas de agropecuária relativa à criação, de agroindústria relativa ao abate e processamento, e de gestão agroindustrial relativa ao gerenciamento e à comercialização de seus produtos.

Com relação ao leque de disponibilidade acadêmica, o Centro de Formação de Tecnólogos da UFPB se caracteriza pelo oferecimento de vagas em cursos técnicos de nível médio: Agropecuária e Agroindústria; em cursos de graduação: Bacharelado em Agroindústria, Ciências Agrárias (licenciatura plena), Bacharelado em Administração e, em curso de pós-graduação em nível de mestrado, como o de Tecnologia e Gestão Agroindustrial. Esses cursos contemplam em suas grades curriculares disciplinas voltadas diretamente para a ranicultura ou que a enfocam como parte de seu conteúdo.

Os pesquisadores do Setor de Ranicultura ainda participam de programas de pós-graduação de outros Campi da própria UFPB: mestrado e doutorado em Zootecnia (Campus II, em Areia) e Tecnologia de Alimentos (Campus I, em João Pessoa). Em complemento à formação teórica, o Setor de Ranicultura recebe alunos para a realização de estágios curriculares ou extra curriculares, e para o desenvolvimento de suas pesquisas de mestrado ou doutorado.

As instalações do Setor de Ranicultura da UFPB totalizam aproximadamente 850 m2 de área coberta, mais 150 m2 de área construída. Não é o seu objetivo a produção comercial, mas produz o suficiente para servir de modelo a produtores e alunos que o procuram para a obtenção de informações a respeito da criação de rãs. Portanto, as instalações atendem às necessidades da realização de cursos a produtores, técnicos e interessados, além de servir como sala de aulas práticas a alunos da UFPB, fornecendo condições, instalações e animais para a realização de experimentos científicos, desenvolvidos pelo grupo de pesquisa em ranicultura. Nesses quatro anos de atuação desta instituição, pode-se destacar a consolidação, e por conseguinte, a disponibilidade regional de alguns procedimentos zootécnicos aplicados à ranicultura, tais como a indução à desovas, a girinagem e, a recria baseada no Sistema Anfigranja de criação.

Indução de Desovas

Para a indução de desovas, os reprodutores necessitam de ambiente adequado para estarem receptivos aos procedimentos necessários. Para isso, o Setor de Ranicultura da UFPB possui o Laboratório de Fertilização e Mantença de Reprodutores, composto por uma sala climatizada de 32 m2, com controle do fotoperíodo e temperatura. Os animais ficam alojados em conjuntos denominados “ módulo de mantença ” (Figura 2), compostos, cada um, por duas baias com desenho do piso semelhante ao piso das baias de recria, povoadas com 20 animais/m2. Nesse Laboratório são efetuados os procedimentos de indução à reprodução conforme Agostinho (Panorama da Aqüicultura vol.10 – N°58 / 2000).

Figura 2 - Detalhe de baia de mantença
Figura 2 – Detalhe de baia de mantença

 

A Girinagem

O Setor de Ranicultura da UFPB possui uma capacidade produtiva que extrapola as suas necessidades. Procurou-se com isso atender, num primeiro momento, às necessidades de criadores em início de produção. A girinagem (Figura 3) é composta atualmente de dois tanques circulares de 5.000 litros e de dois tanques retangulares de 12.000 litros, baseados no Sistema Anfigranja, sendo, porém, prevista a construção de mais dois tanques retangulares com fundo de terra de 67.000 litros cada um. Esses tanques têm capacidade limite respectivamente para 2.500, 6.000 e 33.500 girinos com uma densidade máxima de 1 girino por cada 2 litros d’água totalizando 84.000 girinos em criação.

Figura 3 – Foto panorâmica dos 4 tanques de girinagem
Figura 3 – Foto panorâmica dos 4 tanques de girinagem

A Recria

A infra-estrutura física disponível para a recria de rãs é constituída por um galpão de 207 m2 de área útil coberta, sendo esta composta por seis baias de recria, com capacidade de alojamento para 8.000 rãs. A produção máxima estabelecida para experimentação e aulas é de 1.500 rãs/mês prontas para o abate com geração de 150 kg de carcaça.

Figura 4 – Vista panorâmica interna do galpão de recria. 
Figura 4 – Vista panorâmica interna do galpão de recria.


Observa-se na Figura 4, em primeiro plano, três tanques obtidos de caixas d’água adaptadas, usados para a colocação de girinos em clímax de metamorfose, fase G5, conforme Lima e Agostinho 1992. Depois as duas baias menores, e ao fundo as quatro baias maiores, todas do tipo Versátil (Lima e Agostinho, 1995).

Figura 5 – Vista geral de uma baia de recria.  Observam-se os animais distribuídos uniformemente ao longo da baia.
Figura 5 – Vista geral de uma baia de recria.  Observam-se os animais distribuídos uniformemente ao longo da baia.

Na Figura 5 pode-se observar os diversos componentes que caracterizam a Baia Versátil, onde se visualiza os abrigos, cochos e piscina dispostos de forma linear, característica do Sistema Anfigranja.

Ensino, Pesquisa e Extensão

São ministradas no Setor, disciplinas de caráter teórico e prático para os cursos técnicos em Agropecuária e Agroindústria, do Bacharelado em Agroindústria e da Licenciatura em Ciências Agrárias. Na disciplina Ranicultura os alunos se beneficiam das instalações do Setor, com aulas práticas de anatomia, manejo de produção, produção de alimentos vivos e fertilização artificial. A média das turmas é de cerca de 30 alunos, com 120 deles tendo, anualmente, informações sobre a ranicultura, com participação voluntária nas atividades de criação, abate e processamento. Aprendem ainda os aspectos relacionados ao abate de rãs e a elaboração de produtos, entre ele os patês, salsichas, CMS (carne mecanicamente separada) e cortes variados.

Os alunos oriundos dos cursos técnicos e de graduação, juntamente com o pessoal de pós-graduação e professores, estão envolvidos em projetos de pesquisa, seja de forma espontânea, caracterizada por voluntariado, como por incentivos representados pelo oferecimento de bolsas quando disponíveis. O potencial em pesquisas oferecido pela ranicultura vem possibilitando trabalhos em diferentes esferas do conhecimento, permite que sejam desenvolvidos no Setor trabalhos em nível de apoio técnico, iniciação científica, mestrado, doutorado e desenvolvimento científico regional, com expectativa de recebimento de novos doutores (bolsista recém doutor) interessados em desenvolver seus trabalhos nessa área.

O Setor de Ranicultura da UFPB é freqüentemente visitado por pessoas de diferentes segmentos, pesquisadores, alunos, empresários, e representantes de diversas instituições. As visitas são agendadas com antecedência e são acompanhadas pelos pesquisadores ou voluntários do Setor, devidamente preparados para fornecerem as informações pertinentes.

Atualmente, várias de suas dependências se encontram em obras, como é o caso da Indústria Piloto de Abate e Processamento, em construção obedecendo aos ditames do Ministério da Agricultura. O abate com inspeção adequada é um dos pré-requisitos para o sucesso de empreendimentos voltados para produtos de origem animal, e um dos objetivos da Indústria Piloto é atender, num primeiro momento, aos criadores assistidos pela UFPB no abate de seus animais. Sendo o abatedouro um dos itens de maior dispêndio na ranicultura, essa assistência inicial permitirá aos primeiros criadores se fortalecerem financeiramente, até atingirem a auto-suficiência, no tocante a esse aspecto.

Vantagem Competitiva

O Nordeste possui grande potencial para a criação intensiva de rãs devido às suas características climáticas, o que já lhe confere um diferencial competitivo. Some-se a isso a disponibilidade de mão-de-obra treinada, multidisciplinar e disponível nos níveis médio e superior. Isso tudo, beneficiado com a presença próxima dos portos regionais para a comercialização interna e externa, proporciona as melhores condições para a instalação de investimentos voltados para a produção da carne de rã e seus produtos. Fica aqui, portanto, o convite dos autores para que estudantes e investidores, venham para o Nordeste.