Por: Dr. Elek Woynarowich
com colaboração de Marco Antônio de Campos Mathias
Nas regiões tropicais, as estações do ano não se apresentam tão definidas, sendo muitas vezes caracterizadas apenas como épocas de chuvas ou de seca.
No Brasil, os ovários dos peixes de piracema desenvolvem-se rapidamente pouco antes do período natural de desova. A preparação dos peixes inicia-se geralmente na época chuvosa, com a grande fartura de alimentos. Na época de seca, quando os rios começam a se retrair das áreas inundadas, inicia-se um longo jejum no leito dos rios. Provavelmente, este jejum prolongado inicia e permite a vitelogênese dos ovos e as primeiras chuvas que antecedem a época das cheias, preparam o ovário para a desova iminente.
Os peixes que são criados em viveiros, não tem estas orientações de época e somente a pequena variação de temperatura determina a maturação (vitelogênese) dos óvulos no ovário. Por isso pode-se ter em um plantel de reprodutores de peixes, indivíduos diferentemente desenvolvidos em termos de ovários, mesmo tendo a mesma idade.
SELEÇÃO
A seleção de reprodutores prontos para a propagação artificial é portanto de grande importância para o sucesso da indução à desova em laboratório.
A quantidade de fêmeas que podemos desovar ao mesmo tempo, é determinada pelo número e capacidade das incubadoras, pelo tamanho das fêmeas (quantidade provável de ovos) e pela área de alevinagem disponível. Geralmente para peixes grandes (6 a 15 kg), 3 a 4 fêmeas; para peixes médios (3 a 5 kg), 4 a 6 fêmeas e para peixes pequenos (1 a 2 kg), 6 a 10 fêmeas poderiam ser induzidas de uma só vez.
Somente uma equipe bem treinada, poderia manejar com sucesso quantidades maiores de fêmeas. As matrizes podem ser capturadas somente com redes de arrasto. Redes de espera ou tarrafas não são boas para capturar matrizes.
A seleção das matrizes, é feita de acordo com o estágio de maturação sexual avaliado através de uma série de características externas dos reprodutores, bem como de uma preparação anterior ao período de reprodução tal como manejo de água, alimentação, etc.
Somente fêmeas bem preparadas prometem bom sucesso na propagação artificial. O manejo com as matrizes deve ser atencioso, tendo o cuidado de evitar qualquer tipo de estresse (isto é válido para captura e transporte). As matrizes atormentadas durante a captura e transporte não vão reagir bem ao tratamento hormonal.
Para capturar e examinar matrizes, especialmente as fêmeas, deve-se utilizar macas e/ou puçás. O transporte deve ser rápido e em muita água, ou em caso de transporte prolongado, com oxigênio.
Chegando no laboratório, é aconselhável pesar as matrizes selecionadas, e se necessário marcar os peixes com fios ou linhas coloridas na nadadeira dorsal. A marcação das fêmeas tem a vantagem de identificá-las durante o tratamento e quando o comportamento delas anunciar a prontidão para a ovulação.
INSTALAÇÕES
No laboratório, o tamanho dos tanques de matrizes devem ter de 3 a 4 metros de comprimento por 1,2 metros de largura e 0,9 metros de profundidade. A profundidade da água não deve ser maior que 25 a 30 cm, excepcionalmente 50 cm, no caso de matrizes muito grandes. Nestes tanques o trabalho é fácil.
A melhor cor é a natural do cimento (cinza). Não é necessário o revestimento com azulejos brancos, que causam nervosismo na maioria dos peixes. Se a opção for aproveitar a vantagem dos azulejos que facilitam a limpeza deve-se optar pelas cores escuras do azul e do verde.
Na superfície da água dos tanques deve-se colocar placas de isopor para que os peixes se abriguem debaixo delas. A matriz fica mais calma quando tem a possibilidade de se esconder. Isso tudo associado ao silêncio, porque qualquer barulho perturba as matrizes que precisam de calma neste período.
PROPAGAÇÃO ARTIFICIAL
Para o tratamento (injeção, sutura, etc) as matrizes precisam ser novamente capturadas. Para esta finalidade usa-se as macas e os puçás adequados. É quase impossível segurar os peixes grandes com as mãos sem machucá-los. Devemos segurá-los na mesa de tratamento com panos cobrindo a cabeça e amarrando a cauda. O peixe quando é virado com a barriga para cima fica mais calmo, principalmente se tiver os olhos cobertos com um pano.
As injeções são dadas exclusivamente na cavidade abdominal (na barriga), entre o orifício anal e a nadadeira abdominal. A agulha deve entrar toda na barriga para evitar o refluxo do material injetado.
A propagação artificial de peixes precisa de pontualidade e eficiência. É preciso aguardar o tempo certo quando as fêmeas sinalizam a prontidão para a ovulação para então começar a retirada dos ovos. As horas-graus (que nos informam quando poderia acontecer a ovulação) são dados experimentais e só servem para orientação. Uma hora antes ou depois pode ocorrer a ovulação, especialmente quando as fêmeas estão muito bem preparadas e a temperatura é alta (29 a 30 ºC). Em baixas temperaturas o tempo de ovulação é maior.
As fêmeas bem preparadas soltam os ovos ovulados num jorro farto. Basta pressionar a barriga e os ovos jorram facilmente.A retirada forçada de ovos é inútil, pois esses ovos não vão ser fertilizados. Quando os ovos não fluem facilmente, é melhor esperar de 15 a 20 minutos e tentar novamente. Nas fêmeas com ovulação total, não adianta muito tentar retirar ovos por mais duas ou três vezes após a primeira retirada quando saem a maioria dos ovos. A fecundação deles não vai ser adequada. Também não vale a pena retirar os ovos por muitas vezes da mesma fêmea nos casos onde ocorre a ovulação parcial.
Os ovos ovulados podem supermaturar no ovário quando a retirada dos ovos demorar 30 minutos (ou menos) após a sinalização das fêmeas, diminuindo a taxa de fertilização para 30 a 50%. Se a demora for de 1 hora ou mais, somente poucos ovos vão fertilizar. Por isso vale a pena observar bem as fêmeas e fazer a retirada dos ovos no tempo adequado. Quando os machos produzem muito esperma, pode-se retirá-lo diretamente sobre os ovos. Quando se tem pouco esperma, pode-se diluir em um pouco de soro fisiológico para uma melhor distribuição sobre os ovos. Os ovos são misturados sobre o esperma sem água (a seco). Depois da mistura faz-se a fertilização, acrescentando-se um pouco de água limpa. A temperatura da água de fertilização deve ser em torno de 25 ºC. Temperaturas da água entre 30 e 31 ºC pode matar os espermatozóides.
O tempo para fertilização é de cerca de um minuto (contado a partir do momento em que é acrescentada água à mistura de óvulos e sêmen).
Após a fertilização, os ovos são acrescidos de um pouco mais de água e devem ser colocados nas incubadoras. Somente os ovos de carpa comum que são altamente aderentes, precisam de um tratamento especial (tanino ou uréia) para evitar o agregamento dos ovos em grande grumos.
LARVICULTURA E ALEVINAGEM
No início os ovos não precisam de muito oxigênio na água. De 6 a 7 horas depois, a necessidade de oxigênio aumenta.
Os ovos dos peixes de piracema (tambaqui, pacu, curimatã, carpa capim, carpa prateada, carpa cabeça-grande, etc.) desenvolvem-se rapidamente e nascem as larvas depois de cerca de 12 a 20 horas. Quando as larvas sobem na água da incubadora, é preciso remover os ovos gorados e as cascas dos ovos. Caso contrário a sujeira pode matar muitas larvas sadias por falta de oxigênio e desenvolvimento de fungos nos ovos gorados.
Quando se tem o conhecimento da taxa de fertilização e do número de larvas esperadas, é preciso preparar os viveiros de alevinagem, calculando-se 1 milhão de larvas sadias por hectare (100 larvas por m2). O viveiro de alevinagem precisa ser adubado com 200 a 300 kg de esterco fresco de boi para cada 1.000 m2, e alagado sem demora, porque de 3 a 5 dias depois da eclosão das larvas, estes tomam ar na superfície (enchem a bexiga natatória com ar), e precisam então comer alimentos naturais que são geralmente rotíferos, co-pépodos e cladóceras em geral.
SUPERMATURAÇÃO
Quando induzimos a ovulação, quer seja com a hipofisação, quer com hormônios liberadores (LH-RHa), temos um problema que é saber quando as fêmeas estão prontas para serem retirados os ovos ovulados. No caso da ovulação induzida, é desejável que os ovos ovulem todos ao mesmo tempo, ou seja, que aconteça a ovulação total. Por isso a dose do agente de indução é grande (forte), porque a ovulação parcial, do ponto de vista de resultados não é desejável.
Os processos biológicos e fisiológicos complexos que denominamos como “maturação final” e “ovulação”, não param, mesmo quando os ovos são ovulados e acumulados na cavidade do ovário, e continuam na direção que denominamos como supermaturação. Ovo supermaduro não pode ser fertilizado e, no fim deste processo , os ovos não incham (não formam o espaço perivitelínico).
A maioria das fêmeas dos peixes propagados artificialmente, anunciam (sinalizam) de alguma forma o fato da ovulação. Algumas espécies podem dançar (fazer movimentos de desova sozinha ou em duas fêmeas, ou juntas com machos no caso de tambaqui, carpa comum e algumas vezes pacu) ou se mover nervosamente e soltar ovos ou, simplesmente, soltar os ovos ovulados como a carpa capim, carpa cabeça-grande e carpa prateada.
Machos e fêmeas de algumas espécies de peixes (curimatãs, bagre africano e carpa comum) podem ser colocados juntos no mesmo tanque, pois as fêmeas dessas espécies cooperam bem no caso da desova e começam a desovar parcial ou totalmente com os machos, produzindo ovos naturalmente fertilizados (desova induzida). Neste caso, se conta muito qual o tanque onde este processo acontece, e qual é a circunstância da desova (ambiente calmo, presença de machos que cooperam, sustentadores de ovos, etc.).
Não sabemos em que estágio de ovulação as fêmeas começam a sinalizar para o acontecimento da ovulação. Esta é uma outra pergunta que nós piscicultores fazemos, isto é, se percebemos em tempo adequado esta sinalização dos peixes. Pode haver demora no lado da fêmea e no lado do piscicultor, e se ambas se somam, de todo modo aumentam o número de ovos supermaduros e infertilizáveis.
A experiência comprova que a sinalização das fêmeas (quando anunciam o fato da ovulação) na temperatura de desova natural das espécies de peixes, acontece normalmente e no tempo certo. Mas, irregularidades acontecem quando a temperatura de propagação se diverge significativamente da temperatura de desova natural da espécie. Estas temperaturas são:
tambaqui _____________________ 25-28 ºC
carpa cabeça-grande ___________23-26 ºC
pacu _________________________23-26 ºC
curimatãs _____________________23-27 ºC
carpa comum __________________20-28 ºC
carpa prateada e capim _________ 23-25 ºC
bagre africano _________________23-28 ºC
A supermaturação dos ovos ovulados é o grande problema da propagação artificial (ovulação induzida) nas áreas tropicais, pois o processo de supermaturação é acelerado em altas temperaturas e se torna mais lento em baixas temperaturas. Isso tudo faz a propagação artificial correr sérios riscos de sucesso. Esses ovos supermaduros aumentam o número de ovos gorados, causando novos problemas no processo de incubação como por exemplo os decorrentes da separação das larvas nascidas das cascas de ovos e dos ovos gorados.
Uma demora de retirada dos ovos ovulados de meia-hora ou menos, pode custar de 20% ou mais de ovos não fertilizados devido a supermaturação, conforme já mencionado anteriormente. De fato, neste caso cada minuto conta.