Muita gente, auditório lotado, faltou lugar e foi preciso cadeiras extras de última hora para acomodar o tanto de pessoas que desejavam assistir ao III Workshop do Cultivo do Pirarucu. Foi um sucesso o evento que o SEBRAE organizou no dia 22 de novembro, em Belém, e que fazia parte da programação do Congresso Brasileiro de Aquicultura de Espécies Nativas.
Por: Jomar Carvalho Filho | [email protected]
Editor da Panorama da AQÜICULTURA
A primeira parte do workshop foi dedicada à reprodução do pirarucu em cativeiro no Brasil, e o primeiro convidado a falar foi o gerente de reprodução de peixes amazônicos da Mar & Terra, Arno Soares Seerig, responsável pelo laboratório da empresa em Pimenta Bueno – RO. Em 2009 a Mar & Terra iniciou seu trabalho com o pirarucu fazendo compras pontuais de produtores de Rondônia. Em 2010, após as primeiras experiências de mercado com esse peixe, foram realizadas as primeiras tentativas de cultivo, que esbarraram no pequeno número de reprodutores. Neste mesmo ano a empresa tentou a primeira exportação, que acabou não acontecendo por se tratar de um peixe em extinção, fazendo parte da lista internacional da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção). Em 2011, a empresa começou a operar a unidade de reprodução de peixes amazônicos de Pimenta Bueno (RO) e, já em 2012, tinha seu plantel de reprodutores identificado com chips, em condições de provar ao CITES que seus alevinos já seriam provenientes de matrizes de cativeiro. Na safra 2011/2012 a empresa produziu 40 mil alevinos e, na 2012/2013, saltou para 92.000, boa parte deles estocados em parceiros. A produção processada em 2011 foi de 180 toneladas, em 2013 saltou para 936 toneladas e a expectativa para 2015 é de 1.500 toneladas, gerando uma demanda de 150 mil alevinos.
Sobre a reprodução, Arno falou à plateia do manejo decorrente da desova parcelada do pirarucu, que faz com que peixes de vários estágios possam ser encontrados ao longo do período reprodutivo. Lembrou também que apesar da espécie apresentar dimorfismo sexual (o macho possui cabeça mais reta com a parte de baixo avermelhada e a fêmea cabeça mais curva e sem o vermelho) muitas vezes, dentro da piscicultura, essas características não ficam tão evidentes. Para a sexagem utilizam um kit comercial francês que pesquisa a vitelogenina presente no sangue das fêmeas maduras. O resultado da análise é rápido, e se dá em três horas. Atualmente a empresa dispõe de 136 peixes maduros, dos quais 108 já cadastrados na CITES, e 30 casais já foram formados. Segundo Arno, existem muitos fatores envolvidos na reprodução que ainda precisam ser entendidos – fotoperíodo, regime de chuvas, etc. Mas, ainda assim, considera que o peixe tem um enorme potencial produtivo.
Outro convidado do SEBRAE foi Vinicius Chaves, proprietário da Piscicultura Boa Esperança, localizada no Maranhão. Vinicius acredita que o regime de chuvas é muito importante na reprodução, e exemplificou com a sua produção que, em 2012, um ano chuvoso, foi de 40 mil alevinos, em contraste com o ano de seca, em 2011, onde produziu apenas 7 mil.
A monogamia do pirarucu também foi abordada por Vinicius. Ao contrário do que muitos acreditam, o piscicultor garante que o pirarucu não é monogâmico, já tendo tido sucesso ao formar novos casais com animais que já haviam anteriormente formado casais.
Outro palestrante, o coordenador de pesca e aquicultura do DNOCS, Pedro Eymard, falou das suas experiências com o uso do endoscópio, aparelho avaliado em 60 mil reais, para identificar machos e fêmeas Disse que já utilizou ultrassom, exames de estradiol, agora o endoscópio, “mas nada gera mais alevinos que a chuva”, afirmou. Um ano de chuva rende até 100 mil alevinos, mas este ano, disse Pedro, com a seca no Ceará, não devem passar dos 4 mil. Pedro contou ainda que está preparando experimento onde aspersores jogarão água coletada de chuva sobre os viveiros.
Entraves e perspectivas
Eduardo Ono, presidente da Comissão Nacional de Aquicultura da CNA, abriu a sessão da tarde, voltada para a discussão dos principais entraves, perspectivas e responsabilidades das instituições envolvidas na atividade, dizendo que o pirarucu já atrai investidores do mundo todo, e lembrou que o Brasil não é o único país que tem interesse nesse peixe. Muitos desses países são muito mais dinâmicos que nós na aquicultura, a exemplo do Chile, que já importou o pirarucu desde 2012, quando levaram alevinos. “São grandes as possibilidades de eles aprenderem a produzir lá no Chile e voltarem para produzir no Brasil”, disse.
Eduardo lembrou que somente a partir do final da década de 90 é que a espécie passou a ser vista como promissora na piscicultura brasileira. Tudo ainda é muito recente, o que explica o fato da cadeia de produção estar ainda numa fase embrionária. O fomento ao cultivo do pirarucu, por sua vez, também é bastante desordenado e o ordenamento mal estruturado, com burocracia excessiva, falta de conhecimento nas instituições e arbitrariedades, afirma. Quanto às pesquisas, disse, são pulverizadas, pouco focadas e desconectadas das necessidades do setor privado. O resultado é que há pouca tecnologia disponível, e a que tem está fragmentada. Há uma carência enorme de recursos humanos especializados, com produtores investindo para aprender a produzir.
O pirarucu é na maioria das vezes uma fonte de renda adicional para muitas propriedades. Concorre para isso uma oferta insuficiente de alevinos, em geral de baixa qualidade e vendidos por um alto valor. Isso é decorrente do baixo aproveitamento dos animais que nascem. A quantidade dos animais que nascem, comparada com a que chega aos produtores é mínima. Os índices de perdas são altíssimos, disse Eduardo Ono. Se melhorarmos o manejo do processo de produção de alevinos que existe atualmente, já iremos melhorar bastante a disponibilidade atual de alevinos para o produtor, garantiu. Sobre as rações comerciais, Eduardo disse que, lamentavelmente, estão muito aquém da necessidade da espécie.
Em sua análise do mercado, Eduardo Ono entende que, na Amazônia, o pirarucu é pouco valorizado. Em muitos mercados é mais barato que o tambaqui e a matrinchã. O pirarucu do extrativismo tem baixa qualidade no mercado, e muita gente acaba não gostando. Não porque não seja bom, mas porque o que está disponível nas bancas raramente está bom. Isso vem fazendo com que cresça cada vez mais o interesse do mercado pelo pirarucu cultivado, porque é um produto padronizado em tamanho, composição de carcaça e tem um abate de qualidade, afirmou.
Por fim, entre as inúmeras recomendações, Eduardo Ono destacou a formação de recursos humanos na área aquícola, o grande nó que, em sua opinião, precisa ser repensado no Brasil. O país está formando um contingente enorme de profissionais. Tem muita gente querendo trabalhar, diante de muitas empresas querendo contratar. Mas os profissionais não estão sendo formados de forma compatível com o que as empresas estão precisando. “Não está sobrando gente no mercado pronta pra trabalhar. É preciso que saiam das faculdades um pouco mais prontos do que estão saindo atualmente, e para isso é preciso modernizar a grade curricular dos cursos de formação”, concluiu Ono.
Wanessa Nogueira assessora técnica do MPA, falou das ações do ministério em apoio ao cultivo do pirarucu, entre elas a IN que instituiu o cadastramento dos planteis em Rondônia. A iniciativa permitiu que atualmente existam 632 reprodutores chipados em 30 propriedades de 15 municípios do estado. Segundo Wanessa, em breve outros estados também terão seus reprodutores chipados com o apoio do MPA.
Adriana Ferreira Lima, coordenadora do projeto pirarucu da Embrapa Pesca e Aquicultura, falou que a Embrapa está envolvida com a prospecção tecnológica, descrevendo os vários cenários tecnológicos da produção do pirarucu na Região Norte, e está sendo feito um mapeamento das que estão dando certo. Segundo Adriana, em breve será realizado um workshop para que o setor produtivo possa validar o trabalho. A Embrapa também acompanha as unidades de observação do SEBRAE, visando validar as tecnologias geradas pelo Projeto Estruturante. Na área de capacitação, serão realizados cursos de formação de multiplicadores.
Na área de genética, a Embrapa está fazendo o gerenciamento genético dos planteis, para estabelecer controle de endogamia e evitar a mistura indiscriminada de populações de diferentes locais. A Embrapa realiza pesquisas na área de reprodução, engorda, uso de anestésicos, técnicas de abate, nutrição e sanidade.
Newman Costa, coordenadora nacional de aquicultura e pesca do SEBRAE, falou da primeira fase do Projeto Estruturante realizada de 2007 a 2012, onde um diagnóstico da cadeia produtiva do pirarucu foi realizado e a cadeia toda foi acompanhada para entender como se dava a produção e se comportava o mercado. Lembrou que na primeira fase ainda não havia a parceria com o MPA (SEAP) e a Embrapa. Neste período foram instaladas 20 unidades de observação nos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Rondônia, Roraima e Tocantins (o Pará não fez parte da primeira fase) que receberam acompanhamento de consultores contratados, e uma unidade de reprodução no Estado de Rondônia. Segundo Newman, a contratação de consultores foi importante e representou um avanço na questão de conhecimentos ligados a reprodução. Além do estudo de mercado, que detectou uma aceitação superior a 95%, foram realizadas capacitação nas áreas de engorda, festivais gastronômicos, missões técnicas nacionais e internacionais e elaboração dos manuais de boas práticas de produção. Entre as dificuldades, o SEBRAE diagnosticou a baixa qualificação da mão de obra no campo, carência de técnicos especializados em todos os estados, baixa qualidade de alevinos e rações comerciais, dificuldade de comercialização devido à oferta irregular e competição com o peixe do extrativismo.
Na segunda fase, iniciada em 2012, o SEBRAE passou a ter um olhar mais voltado para o desenvolvimento de produtos e serviços. Segundo Newman, a ideia é entregar mais resultados para fazer a diferença e permitir que se invista mais na atividade. A ideia é também difundir e aprofundar os conhecimentos da primeira fase, replicar as unidades de reprodução em cada um dos sete estados envolvidos, e promover o pirarucu cultivado, ampliando as parcerias com produtores, MPA e Embrapa.
O último palestrante do III Workshop do Pirarucu foi Constantino Pedro de Alcântara Neto, representando a Secretaria de Pesca e Aquicultura do Pará. Falou dos estudos realizados no estado desde 1995 e que serviram para balizar a política de preservação da espécie, estabelecendo tamanhos mínimos de captura. Falou também das atividades realizadas na Estação de Piscicultura em Santarém, que dá suporte aos criadores de pirarucu no Pará.