Um episódio de ocorrência de maré vermelha no litoral catarinense marcou o início de uma nova era para os cultivos de moluscos brasileiros. A presença de grandes quantidades da microalga Dynophysis acuminata no ambiente e consequentemente na carne das ostras, mexilhões, vieiras e vôngoles, determinou a proibição da comercialização desses moluscos, fato que aconteceu pela primeira vez desde que a malacocultura (cultivo de moluscos) se instalou comercialmente no País.
A detecção desta alga, segundo Nelson Silveira Jr., da Fazenda Marinha Atlântico Sul, foi possível graças ao trabalho de monitoramento realizado por algumas empresas na baia Sul da Ilha de Santa Catarina em parceria com o Laboratório de Algas Nocivas da Univali, em Itajaí. As coletas sistemáticas e os resultados das análises foram importantíssimos para deflagrar o processo de suspensão da comercialização, oficializado com a publicação de Portaria no1 assinada em 19 de janeiro de 2007, pelo coordenador-geral do Comitê Nacional de Controle Higiênico Sanitário de Moluscos Bivalves (CNCMB), Felipe Suplicy.
Segundo Nelson Silveira Jr., esta microalga é normalmente encontrada nas costas de nosso litoral. Entretanto, em certas ocasiões, a população dessa espécie explode e sua presença em grandes quantidades no ambiente marinho e o conseqüente acúmulo exagerado da toxina nos mariscos, acarreta problemas de saúde para aqueles que vierem a consumir tais produtos. Os mariscos, mesmo que contaminados, não são afetados e, com o afastamento do fenômeno eles se tornam novamente próprios ao consumo humano.
Para quem consome, a sintomatologia é conhecida por “síndrome diarréica de moluscos”, e envolve náuseas, calafrios, dores abdominais, vômito e diarréia (ver artigo “Floração de Algas Nocivas” de Mathias Alberto Schramm e Luís Antônio de Oliveira Proença, na Edição 89 – maio/junho/85 da Panorama da AQÜICULTURA), que recomenda uma imediata proibição no consumo dos moluscos nas áreas afetadas. O excelente entrosamento da comunidade de maricultores com as autoridades competentes – Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca, Epagri, Igeof/PMF, Vigilância Sanitária e Univali, mostrou a maturidade que a atividade adquiriu ao longo desses anos. Imediatamente muitos produtores deixaram de colher seus mariscos, enquanto outros recolhiam o produto que já se encontrava em restaurantes e peixarias, chegando o “recall” a ser feito em diversas capitais brasileiras.
Segundo Silveira Jr., é sempre bom que se frise, que a suspensão da comercialização de mariscos sempre que os limites de segurança são ultrapassados, é prática comum em países de maricultura desenvolvida como Japão, Estados Unidos, Canadá, Chile, Austrália, Nova Zelândia e Comunidade Européia. Isto garante aos consumidores a segurança para que possam se deliciar com esses frutos do mar a qualquer momento e sem nenhum risco.
Nos dias que seguiram as primeiras ocorrências, o monitoramento foi identificado em todos os locais de cultivo no Estado. A presença de quantidades excessivas de algas (marés vermelhas) foi também confirmada em outros municípios levando o Comitê Nacional de Controle Higiênico-Sanitário de Moluscos Bivalves, coordenado pela Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca, a publicar várias outras portarias proibindo a colheita e a comercialização de moluscos em outros municípios litorâneos.
Segundo o Coordenador do Laboratório de Algas Nocivas da Univali, Luís Antônio de Oliveira Proença, os moluscos, como mexilhões e ostras, retiram seu alimento das partículas em suspensão na água. Se alguma microalga tóxica estiver presente, ela pode ser acumulada nos tecidos desses animais e intoxicar seus consumidores. Essas toxinas, chamadas de fico toxinas, são estáveis e não degradam com calor ou procedimentos normais como os do preparo dos alimentos, e tampouco alteram o sabor ou outras propriedades dos mariscos. Dessa forma, não podem ser detectadas sem que sejam feitas análises específicas com o auxílio de microscópio ótico e bibliografia especializada, requerendo um treinamento nesta área de conhecimento. Os métodos empregados podem ser analíticos ou de bioensaio, geralmente com o uso de camundongos.
Proença explica que o evento ocorrido no litoral catarinense foi causado pelo dinoflagelado Dinophysis acuminata, de apenas 40 µm de tamanho (cerca de 50 vezes menor que a cabeça de um alfinete). No evento recente, valores de 7500 células por litro foram observados e, para esse organismo, trabalhos anteriores indicam que apenas 200 organismos por litro já são suficiente contaminar os mariscos a níveis impróprios para o consumo humano.
Passada a maré vermelha, fica a certeza de que o Brasil hoje conta com um setor produtivo maduro, pronto para enfrentar fenômenos naturais dessa natureza sem colocar em risco a saúde dos consumidores. Em tempo: apesar de todas as intervenções efetuadas, cerca de 120 pessoas com sintomas de intoxicação pela alga, foram atendidas nos hospitais de emergência de Santa Catarina.