Simpósio em Fortaleza reunirá especialistas para debater os mais recentes dados e pesquisas sobre a síndrome de Haff no Brasil e no mundo


Por: Tania Neves
Revista Panorama da AQÜICULTURA
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Foi estendido até 25 de outubro o prazo final para a submissão de trabalhos científicos ao I Simpósio Nacional de Haff, que acontecerá no próximo dia 4 de novembro no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza. A inscrição é gratuita e restam poucas das 200 vagas presenciais oferecidas, mas o evento também acolherá participantes de forma remota, pois terá transmissão pela internet em tempo real. O objetivo do encontro é reunir estudiosos e interessados no tema e divulgar recentes pesquisas realizadas no Brasil e no exterior acerca da doença que tem preocupado autoridades, população e produtores de pescado. Isso porque a síndrome de Haff – também conhecida como doença da urina preta, e que desencadeia um quadro de rabdomiólise – tem sido relacionada ao consumo de alguns peixes e crustáceos, embora não se tenha até hoje conseguido identificar exatamente o que causa a doença. De 2008 para cá, centenas de casos foram notificados em estados das regiões Norte e Nordeste do Brasil, uns poucos fatais, afetando pessoas que haviam consumido peixes como tambaqui, pacu, pirapitinga e arabaiana ou crustáceos como lagosta, lagostim e camarão.

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O Ceará, um dos estados afetados, tomou em abril deste ano a iniciativa de criar um grupo de trabalho – o GT-Haff Ceará – voltado para estudos sobre o ciclo de contaminação dos peixes e a transmissão da síndrome para o ser humano. Os principais objetivos do GT são aprofundar as pesquisas que já vêm sendo realizadas sobre questões ambientais, nutricionais e fisiológicas relacionadas às espécies envolvidas para melhor caracterizar a zoonose e poder combatê-la e evitá-la, assim como contribuir para articular uma rede de informações científicas com outros estados que também lidam com o problema, como Bahia, Pernambuco, Amazonas e Pará. O Núcleo de Tecnologia e Qualidade Industrial do Ceará (Nutec), presidido por Francisco Magalhães, é responsável pelo GT, que tem na coordenação geral a pesquisadora Crisiana de Andrade Nobre. Foram chamados a integrar o GT diversos pesquisadores e professores de universidades estaduais e federais, representantes de órgãos municipais, estaduais e federais das áreas de saúde humana, animal e ambiental, assim como outros profissionais envolvidos na cadeia de pescado.

Questão de saúde única

Para Hellen Araújo Cavalcante, presidente da Comissão de Inspeção de Alimentos do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Ceará e representante do órgão no GT, a característica principal do grupo é a abordagem do problema em termos de saúde única: “Ninguém sabe ainda onde está o problema, pode ser uma modificação ambiental, pode ter a ver com o organismo de algumas espécies aquáticas, ou com a manipulação do pescado. É isso que precisamos descobrir, por isso o grupo reúne veterinários, oceanógrafos, biólogos, médicos e outros cientistas. A resposta virá da ciência”, diz. Também atuando como uma das organizadoras do simpósio, junto com Crisiana, Hellen conta que um levantamento bibliográfico feito pelo grupo constatou que nenhum trabalho científico – desde 1924, quando a doença foi descrita pela primeira vez na Europa – relaciona efetivamente os peixes ao diagnóstico de Haff, por isso é importante avançar nas pesquisas para entender como se dá essa contaminação. Nesse contexto, diz ela, o I Simpósio Nacional de Haff quer trazer para os interessados no tema o que há de mais recente nas pesquisas desenvolvidas e também estimular novos estudos: “É um primeiro caminho. Queremos tirar esse viés político do tema e nos voltar para a ciência”, explica a veterinária, sugerindo que uma vertente importante dos estudos pode ser o estabelecimento de um paralelo entre as diversas espécies citadas, talvez com a realização de uma análise proteômica, para elencar o que elas têm em comum.

Embora a síndrome de Haff tenha poucos casos notificados, em comparação com outras zoonoses, e baixíssima taxa de mortalidade, é uma doença muito dolorosa e que exige diagnóstico rápido para evitar maiores complicações, como a falência renal. Logo nos primeiros dias ela desencadeia um quadro de rabdomiólise, que é a destruição de fibras musculares do corpo e a liberação de substâncias na corrente sanguínea, o que afeta o funcionamento dos rins e causa o escurecimento da urina. Especialmente no Nordeste, os casos da doença têm sido sazonais, surgindo mais no primeiro semestre. Mas, sempre que acontecem, causam verdadeiro estrago na cadeia do pescado, pois surgem as recomendações para não se comer peixe, o que acaba baqueando o setor.

Submissão de trabalhos

Submeter um trabalho para apresentar no simpósio é simples. Primeiro é preciso fazer a inscrição, a partir do site do evento (simposiohaff.nutec.ce.gov.br), escolhendo o modo de participação presencial ou on-line. Depois o inscrito deve acessar a área de login e enviar seu resumo on-line, para avaliação pelos organizadores. Cada inscrito terá direito a submeter um resumo, que precisa estar relacionado ao tema do simpósio e ser relevante para pelo menos uma das seguintes áreas temáticas: saúde, meio ambiente, sanidade de pescado, ciência e tecnologia do pescado, ou outros temas relacionados às toxinas. As apresentações devem ser feitas em formato de pôster, com tamanho máximo de 90 cm de largura por 120 cm de altura e somente em língua portuguesa. O site do evento também disponibiliza canais de WhatsApp e e-mail para esclarecer as dúvidas dos interessados.

Palestras e palestrantes

O evento contará com cinco palestras, duas mesas redondas e a apresentação de pôsteres. Haverá transmissão on-line em tempo real, tradução simultânea e intérprete de libras.Na parte da manhã, logo após a abertura oficial, Janaína Menezes – pesquisadora de doenças de transmissão hídrica e alimentar da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde – falará sobre “Monitoramento dos casos compatíveis com a doença de Haff no Brasil”, trazendo dados completos e atualizados sobre todos os casos notificados no país. Em seguida, o auditor fiscal federal agropecuário Ives Tavares, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, abordará o tema “Rastreabilidade do pescado nacional: legislação e desafios”. O ciclo da manhã se encerra com uma mesa redonda entre esses dois palestrantes, com mediação de um representante do GT.

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Após o intervalo para o almoço, o professor doutor Mathias A. Schramm, do Laboratório de Algas Nocivas e Ficotoxinas do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), que já participou de análises de peixes envolvidos em casos notificados de síndrome de Haff e identificou neles toxinas que possivelmente podem estar na origem da doença, ministrará a primeira palestra da tarde: “Síndrome de Haff: hipóteses e evidências”. A ele se seguirá o convidado internacional, professor doutor Jonathan Deeds, do Center for Food Safety and Apllied Nutrition, da U. S. Food and Drug Administration (FDA), que falará sobre “Haff disease associated with the consumption of buffalo fish (Ictiobus spp.) in the United States, 2010-2020”. O ciclo de palestras se fecha com a professora doutora Marcela Nunes Videira, líder do grupo de pesquisa em Sanidade de Organismos Aquáticos na Amazônia (SOAA) e vice-reitora da Universidade Federal do Amapá-UEAP, apresentando “Sanidade de peixes relacionada a toxinas”. Os três palestrantes da tarde se reúnem em seguida numa mesa redonda para discutir seus temas, também com mediação de um representante do GT. E por fim acontece a apresentação dos pôsteres selecionados.