Sistema Inundado de Criação de Rãs

Ensaios Experimentais no Brasil

Por: Silvia C. Reis Pereira Mello
Diretora de Pesquisa e Produção da FIPERJ
Diretora Técnica da ARERJ – Pesquisadora da FAMATH


Durante o 1o TECHNOFROG realizado em Viçosa em 1995, técnicos e produtores da Argentina e Uruguai, apresentaram aos produtores brasileiros, o sistema inundado de criação de rãs. Segundo o Dr. Rolando Mazzoni do INAPE/ Instituto de Investigações Pesqueiras do Uruguai, o primeiro contato com o sistema inundado, foi através de Ranicultores do Equador, que trouxeram uma fita de vídeo de Taiwan sobre criação de rãs. O sistema de engorda, consistia em baias com o piso totalmente coberto de água, e na utilização de uma ração flutuante, que permanecia na superfície da água e era ingerida pelas rãs.

O Dr. Mazzoni e equipe, iniciaram os primeiros ensaios no ranário piloto do INAPE, e depois transferiram a tecnologia para ranários comerciais na Argentina. Após o acompanhamento no campo, foi evidenciado pela equipe, que uma das maiores vantagens do sistema, consistia na eliminação do uso da larva de mosca, que é fornecida para as rãs em pequena quantidade, junto com a ração, na maioria dos ranários comerciais. No sistema inundado, as rãs são alimentadas com pellets extrusados que flutuam na água, a eliminação da larva reduziu o custo com mão de obra e instalações. Uma outra vantagem evidenciada, foi o crescimento homogêneo em alta densidade, com baixo índice de canibalismo.

Em 1997 no II TECHNOFROG e IX ENAR, realizado em Santos – SP, foram apresentados dados levantados nos ranários comerciais, tanto pelo Dr. Mazzoni, como por ranicultores da Argentina e Uruguai. Dentre outras informações, as que mais se destacaram foram que na fase inicial utilizam densidades de até 400 rãs/m2 com conversão alimentar de 1,5 a 2,0:1 e que o peso de 200g pode ser alcançado em 100 dias de engorda.

Ainda durante o II TECHNOFROG, o Dr. Alejandro Navas do Centro de Investigacion e Estudos Avançado de IPN – Unidade Merida – México, descreveu a evolução da ranicultura na Ásia, informando que lá o sistema inundado foi implantado desde a década de 80, e que tem com característica principal, a necessidade da troca contínua de água, exigindo um maior consumo de água se comparado aos outros sistemas. Relatou também que a ração lá utilizada possui alta porcentagem de proteína, e que os pellets extrusados devem possuir, além de boa flutuabilidade, diversos tamanhos.

Quanto a produção mundial de carne de rã, o Dr. Nava comunicou, que atualmente a Tailândia, usando o sistema inundado, é o maior produtor mundial de rãs em cativeiro. A produção em 1997 foi de 600 toneladas, ficando o Brasil no mesmo ano em 2o lugar com 280 toneladas. Os dados apresentados, assustaram os produtores e técnicos brasileiros, que até então, acreditavam que o Brasil era o primeiro produtor mundial de rãs em cativeiro.

A partir daí, vários produtores se interessaram pelo sistema inundado, tendo alguns feito alguns ensaios que não obtiveram êxito decorrente da falta de uma ração eficiente e de mais conhecimentos técnicos.

Experimento

Para atender a falta de experiência e conhecimentos no sistema inundado, por parte dos técnicos e ranicultores brasileiros, iniciou-se um estudo para conhecer as reais vantagens e desvantagens da sua implantação no Brasil, já que atualmente temos uma tecnologia brasileira, em constante aperfeiçoamento, que é o sistema anfigranja.

O primeiro ensaio proposto, foi realizado no Laboratório de Ranicultura da FAMATH – Faculdades Integradas Maria Thereza em Niterói, e contou com o apoio da Sansuy S.A. Indústria de Plásticos, que confeccionou as baias de polietileno para a execução dessa primeira etapa, e também uma baia com adaptações no sistema de drenagem de água, para ser utilizada na 2a etapa do estudo, que contará com o patrocínio da ARERJ – Associação dos Ranicultores do Estado do Rio de Janeiro e apoio técnico/operacional do Ranário Sete Nascentes em Xerém – RJ. Após diversas tentativas preliminares, sem muito sucesso, devido a pouca flutuabilidade e estabilidade na água das rações testadas, tivemos o apoio da Mogiana Alimentos – Rações D’Aguabi para organismos aquáticos, que cedeu para o experimento sua ração para peixes carnívoros.

Ensaio Experimental

O ensaio experimental foi conduzido pelas pesquisadores Silvia Mello e Rita Veiga, juntamente com a equipe de estagiários do Laboratório Experimental da FAMATH em Niterói.

Foram avaliados dois lotes de rãs. O primeiro lote foi estocado na baia 1 com peso médio inicial de 20,437g; o segundo lote foi estocado na baia 2 e o peso médio inicial foi de 34,097g. A densidade inicial, baseou-se na tabela1, proposta por  Mazzoni em 1995.

Como cada baia possuía 0,66m2, na baia 1 foram estocadas 223 rãs (337/m2) na baia 2 foram estocadas 166 Rãs (251/m2). As rãs foram mantidas em lâmina d’água entre 2 e 5 cm, de forma que apenas a cabeça, ficava fora da água.

A rotina diária consistia na limpeza e troca total da água, 2 vezes ao dia às 9:00 e às 16:00. A alimentação era fornecida 4 vezes ao dia às 9:30, 12:00, 14:00 e 17:00, a quantidade fornecida baseou-se na recomendação de Mazzoni, 1995:  3 a 5 % do peso vivo/dia, quando a temperatura supera os 22 C. Durante cada período de alimentação, a água ficava circulando aproximadamente por uma hora e 30 minutos.

Quinzenalmente era realizada a biometria, que consistia na pesagem individual dos animais, na medição padrão da ponta do focinho até cloaca e também na medição somente das pernas.

Durante todo o período experimental, foi acompanhada a temperatura da água que variou de 21 a 30º C e o pH que variou de 7,1 a 8,2.

Nos primeiros 45 dias, aconteceram sérios problemas com doença, acarretando um aumento considerável na taxa de mortalidade. Os sintomas apresentados pelas rãs contaminadas foram sempre os mesmos: edema e lesões nas coxas, lesões nas patas que levaram a exposição da musculatura e até dos ossos nessa região, lesões características circulares na região peitoral próximo ao esterno e na extremidade do maxilar inferior, que iniciavam-se com uma pequena mancha escura circular na pele. Esse problema coincidiu com o período de temperatura mais alta.

As causas da enfermidade não foram precisamente diagnosticadas, acreditamos que a contaminação da água com restos de ração e fezes, em contato constante com as rãs  pode ter desencadeado o problema, assim como o estresse que os animais possam ter sofrido durante a adaptação ao novo sistema, mantendo-se constantemente dentro da água.

Foram realizados exames bacteriológicos, do material colhido nas partes lesionadas das rãs, sendo constatada a presença das bactérias Pseudomonas aeroginosa, Klebsiella sp., Staphylococcus aureus e do fungo Candida sp. As rãs foram submetidas a um tratamento com antibiótico e também foi alterado o manejo, a água passou a circular constantemente, essa prática só não foi mantida durante a noite.

Resultados Obtidos

O período experimental durou 156 dias, os ganhos de peso por período seguem no gráfico 1, sendo que o ganho de peso médio 117,133g e 146,14g para os lotes 1 e 2, respectivamente.

A conversão alimentar estimada foi de 2,28:1 para a Baia 1 e 2,46:1 para a Baia 2.

Devido a doença que acometeu as rãs nos primeiros 45 dias do ensaio, a mortalidade foi alta, se estabilizando em níveis satisfatórios, após o controle da doença. (Tabelas 3 e 4).

Conclusões e Recomendações

Os resultados alcançados no laboratório, em  relação ao ganho de peso e conversão alimentar, foram semelhantes aos encontrados nos ranários comerciais da região sudeste, levando-se em consideração que foi atravessado o período de inverno.

A alta taxa de mortalidade, devido a ocorrência de doenças, é um dado preocupante. O sistema precisa ser melhor estudado para nos certificarmos que se as condições em que as rãs são mantidas, permanentemente na água, em contato com as fezes e resto de ração, vão desencadear mais facilmente o aparecimento de doenças.

Por outro lado, a alta densidade pode ter levado as rãs a se machucarem mais facilmente. Foi observado que muitas vezes as rãs ao tentarem abocanhar o alimento na superfície, devido a proximidade de outras rãs, abocanhavam as pernas umas das outras. O fato de não ter havido seleção das rãs por tamanho durante o período experimental, pode ter facilitado às rãs maiores abocanhar a perna das menores propiciando o aparecimento de lesões, abrindo as portas para o ataque das bactérias oportunistas presentes na água. Entretanto, o canibalismo propriamente dito foi praticamente inexistente, já não houve desaparecimento de rãs.

Com o atual sistema de drenagem das baias, torna-se necessário que um grande volume diário de água circule, para que a água permaneça em condições satisfatórias para os animais, o que nos leva a colncluir que a abundância de água é um pré-requisito essencial.

A boa flutuabilidade e estabilidade da ração na água e um balanceamento que atenda as exigências nutricionais das rãs, assim como diferentes tamanhos de pellets que acompanhem o crescimento do animal, também são fatores importantes para o sucesso do sistema.

Com os resultados obtidos, temos alguns parâmetros para iniciarmos a 2ª etapa da avaliação, onde muitos fatores precisam ainda serem melhor estudados pois, apesar de começarmos com uma densidade de estocagem elevada, no presente ensaio, não foi possível obter uma boa taxa de sobrevivência, que está normalmente por volta dos 70% na recria dos ranários comerciais que se baseiam no sistema anfigranja de criação.

A conversão alimentar, foi considerada satisfatória, seguindo os mesmos índices alcançados pelos produtores que utilizam o sistema anfigranja.

A densidade final de 128 rãs/m2 na baia 2, onde as rãs alcançaram o peso de abate, foi um dado interessante, sendo um ponto considerado bastante positivo, na avaliação do sistema, pois atualmente no sistema anfigranja a densidade final, com rãs em peso de abate, é de 50 animais por m2.

Outro fator considerado positivo, foi o manejo alimentar, que foi simples, com economia de mão de obra. Foi observado que a utilização de alimentadores automáticos, poderá ser facilmente adaptada ao sistema.