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Por: Jomar Carvalho Filho
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Um cultivo de tilápias, na margem pernambucana do reservatório de Moxotó, no município de Jatobá, será sempre lembrado na história da piscicultura brasileira como sendo o primeiro empreendimento de cultivo em tanques-rede em águas da União a receber a “Licença de Operação – LO”. O documento foi expedido em 10 de outubro de 2005 pela Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (CPRH), o órgão ambiental do Estado de Pernambuco, para a Associação Jovens Criadores de Peixe de Jatobá – Pe, um projeto iniciado em 2002, tendo a frente o Padre Antônio Miglio, que desde 1997 é pároco de Jatobá, mas que atua desde1979 na diocese local.

O potencial da piscicultura em tanque-rede como fonte de emprego e renda na região de Paulo Afonso sempre chamou a atenção do Padre Antônio, levando-o a estudar não só o manejo dos tanques-rede, mas também a forma como tradicionalmente são administradas as associações de piscicultores da região. Sua intenção era também entender as razões pelas quais muitas dessas associações não tiveram êxito nos negócios.

Apoiado pelo bispo da sua diocese, Padre Antônio elaborou o projeto de uma nova associação, estudando primeiramente a viabilidade econômica e a comercialização dos peixes, acabando por dimensionar o projeto para que tivesse 12 sócios. Segundo Padre Antônio, o perfil ideal para cada um dos sócios seria ter a idade entre 18 e 30 anos, ter o segundo grau completo e estar desempregado. Entretanto, não foi tão fácil como parecia, encontrar quem estivesse interessado em se associar. O fracasso de algumas associações da região desestimulou muitos jovens, exceto o próprio Padre Antônio, que ao fim conseguiu reunir oito homens e quatro mulheres dispostos a tocar o projeto.

Outro desafio para o Padre Antônio foi o de comprovar a sua tese de que uma associação de piscicultores poderia ter êxito utilizando o teto de financiamento do Pronaf, que atualmente se situa ao redor de R$ 15 mil por associado. Padre Antônio sustenta que um projeto financiado pelo Pronaf pode ser viável. desde que haja um bom suporte técnico, não só no cultivo propriamente dito, mas também no gerenciamento da administração da associação.

Padre Antônio à frente dos tanques-rede da Associação Jovens Criadores de Peixe de Jatobá - Pernambuco
Padre Antônio à frente dos tanques-rede da Associação Jovens Criadores de Peixe de Jatobá – Pernambuco

Na ocasião da implantação do projeto, a falta do licenciamento ambiental impedia que os associados tivessem acesso ao financiamento, faro que o que levou a buscar recursos no valor de R$ 210 mil, junto à Conferencia Episcopal da Itália. Os recursos possibilitarem a implantação de 65 tanques-rede circulares de 14 m3 (3,5 m de diâmetro e volume útil de 12 m3), com toda a infra-estrutura de acesso e poitagem necessária, bem como todas as instalações em terra, incluindo a construção de um galpão, que hoje abriga a sede da associação e um depósito de ração.
Atualmente, apenas três anos após o projeto ser elaborado, um bem montado sistema de rodízio entre os 12 associados permite que os cultivos recebam assistência 24 horas por dia. Cada um dos tanques-rede fecha o ciclo de engorda com tilápias acima de 900 gramas, abrigadas numa densidade média de 200 kg/m3. O fruto desse trabalho é dividido entre os associados, que retiram sempre o mínimo de dois salários mínimos, mais 70% do lucro das vendas, destinando os 30% restantes para devolver à diocese o empréstimo efetuado.

A boa notícia é que os recursos devolvidos à diocese pela Associação Jovens Criadores de Peixe, já estão financiando outras três associações recentemente formadas, cada uma delas ainda com 10 tanques-rede na água, que servem neste primeiro momento para o treinamento de manejo dos novos piscicultores do município de Jatobá.

A Licença de Operação

Pode até parecer, mas não foi um milagre a obtenção da Licença de Operação obtida pela associação, que passou a ser o primeiro empreendimento de piscicultura em águas públicas da União a receber o licenciamento ambiental em toda a história da aqüicultura brasileira. Por trás, um trabalho objetivo do CPRH junto aos produtores, no sentido de auxiliá-los após tanto tempo aguardando o licenciamento sem sucesso.

Desde que entraram na água, há três anos, que os piscicultores da Associação Jovens Criadores de Peixe vêm lutando para obter essa licença, tendo submetido toda a documentação à Seap, da mesma forma que fizeram todos os demais produtores da região.

Segundo o engenheiro de pesca Assis Lins de Lacerda Filho, coordenador do Grupo de Trabalho do CPRH para licenciamento de projetos aqüícolas em tanques-rede, é muito grande a demanda de produtores pelo licenciamento. “Nos indagam porque não podem colocar tanques-rede numa barragem dentro do sertão, com a água se perdendo”, diz Assis complementando que foi preciso então provocar uma situação para dar início a esses procedimentos de licenciamento. Assim, os produtores de Jatobá foram estimulados a dar entrada nas suas solicitações diretamente no CPRH.

Galpão que armazena ração e abriga a sede da Associação Jovens Criadores de Peixe de Jatobá - Pernambuco
Galpão que armazena ração e abriga a sede da Associação Jovens Criadores de Peixe de Jatobá – Pernambuco

Na sua opinião, a situação atual que mantém inúmeros produtores sem licença, tem sua origem na publicação do primeiro Decreto (nº 2.869/98) de uso das águas públicas na aqüicultura, que acabou por formar um imbróglio burocrático exagerado, com falhas legais que curiosamente acabaram sendo perpetuadas com a edição do Decreto 4.895/03, que o substituiu cinco anos depois. Felizmente, chegou-se a um entendimento correto da legislação, ficando esclarecido que não é pelo fato das águas serem de domínio da União, que o licenciamento tem que ser do Ibama, sendo essa uma responsabilidade dos estados, diz o engenheiro de pesca.

Outro complicador, segundo Assis, é a determinação de que o pedido de licença tenha que ser encaminhado inicialmente a Seap. “Ora, se é o órgão ambiental estadual quem vai expedir a licença de operação, não tem sentido o produtor solicitar a licença na Seap”, diz Assis. No seu entender, o produtor deve solicitar a Licença Prévia ao órgão ambiental estadual, responsável pela expedição da licença, que fará então suas exigências de praxe, como por exemplo, a solicitação da outorga da água e a anuência do gestor do corpo d’água, entre outras. Daí então, é que a Seap poderá ajudar o produtor, exercendo o seu papel de órgão de fomento da aqüicultura, intermediando e ajudando o aqüicultor junto aos demais órgãos federais envolvidos, como a ANA, SPU e a Marinha.

Indagado sobre as preocupações acerca dos possíveis impactos decorrentes dos cultivos, Assis argumenta que “o licenciador ambiental tem que ver a questão econômica, a questão social e a questão ambiental. É lógico que a questão ambiental é a sua preocupação profissional, mas o lado social também tem o seu peso.

Qualquer que seja a atividade, se um licenciador tiver uma pequena dúvida com relação a um possível aumento de um parâmetro, ele deve avaliar o ganho social dessa atividade e, se for positivo, ele tem a obrigação de licenciar o empreendimento, e monitora-lo até que veja esclarecida a sua duvida”.

No caso da licença emitida pelo CPRH aos piscicultores de Jatobá, entre as exigências, há um plano de monitoramento que deverá ser realizado por dois anos, com relatórios preliminares semestrais que avaliarão alguns parâmetros pré estabelecidos pelo órgão em comum acordo com a Chesf, responsável pela gestão do reservatório.

Em 17 de novembro, em cerimônia na cidade de Bandeirantes, no Paraná, o Ministro José Fritsh entregou a Jeffferson Osipi a Licença Previa (LP) para o seu empreendimento, emitida pelo Instituto Ambiental do Paraná – IAP. Osipi, que também é o presidente da Associação dos Piscicultores de Tanques-rede do Paraná, teve todas as suas gaiolas retiradas da água pelo Ibama, e recebeu multas que somaram R$ 600 mil. Na cerimônia de entrega, Osipi recebeu das autoridades a promessa de que, muito em breve, receberá finalmente a sua Licença de Operação, junto a outros piscicultores que optaram por instalar suas gaiolas na outra margem do rio Paranapanema, em águas do Estado de São Paulo, para fugir da fúria cega de grupos contrários ao cultivo de tilápias na margem paranaense do mesmo rio.