Por:
Francisco Manoel de Oliveira Neto – Epagri – e-mail: [email protected]
Alex Alves dos Santos – Epagri – e-mail: [email protected]
Rafael Salum de Oliveira e Jordana E. Beppler
Bolsistas do BMLP/CIDA/CANADÁ – e-mail: [email protected]
Uma técnica bastante simples e barata, desenvolvida por especialistas canadenses e trazida para o Brasil através do Programa Brasileiro de Intercâmbio em Maricultura – BMLP (sigla em inglês), já está modificando os padrões de manejo dos ostreicultores catarinenses, trazendo, entre outras vantagens, mais eficiência através de taxas bem mais elevadas de sobrevivência, baixando significativamente os custos de produção. A técnica, chamada de “baldes flutuantes” (do inglês bouncing bouquets) traz também como vantagem imediata aos produtores a utilização das sementes de tamanho 1,5 Hd (medida da malha da peneira onde as sementes são separadas por tamanho), quando tradicionalmente somente utilizavam a semente após alcançarem o tamanho de 3 Hd. Os primeiros resultados têm sido bastante satisfatórios, principalmente na Grande Florianópolis, responsável por 90% da produção de ostras do estado, e no norte catarinense.
A dificuldade por parte dos ostreicultores catarinenses, para adquirirem sementes da ostra do Pacífico – Crassostrea gigas, com tamanhos superiores a 3,0 Hd sempre foi um dos grandes gargalos para o desenvolvimento da ostreicultura em Santa Catarina, já que muitas vezes a disponibilidade de sementes com este padrão de tamanho esteve bem abaixo do necessário para abastecer a grande demanda da crescente indústria da ostra no Estado. Até então, as sementes, para alcançarem o tamanho comercial de 3 Hd ou maior, necessitavam ser transportadas do laboratório para o mar ainda pequenas, com tamanho variando de 1 a 1,5 Hd, onde permaneciam em lanternas até atingirem o tamanho desejado, para então serem comercializadas. Esse processo muitas vezes era acompanhado de mortalidades decorrentes, principalmente, das elevadas temperaturas da água no período que antecedia a maior demanda por sementes (março a abril). Além disso, as sementes quando já de posse do produtor, este se obrigava a usar os tradicionais sistemas de berçários que, ao não serem manejados criteriosamente, conduziam a perdas significativas nesta fase considerada a mais crítica em todo o processo de criação.
O cultivo
Tradicionalmente no Brasil o sistema empregado para o cultivo de ostras em todas as suas fases (berçária, intermediária e definitiva), é o que utiliza lanternas cilíndricas com 4 ou 5 andares com malhas de 1,5 mm, fixas em estruturas suspenso-fixas ou suspenso-flutuantes, e sementes com tamanhos superiores a 3,0 Hd, quando provenientes de laboratórios.
São nas fases berçária e intermediária – sementes e juvenis – que se verificam os maiores índices de mortalidade em todo o processo de cultivo. Em determinados ecossistemas de Santa Catarina, onde a coluna d’água e a circulação são relativamente pequenas, a perda da produção chega a atingir até 80%, principalmente nos períodos mais quentes do ano.
Concorrem significativamente para esta expressiva mortalidade, além da temperatura elevada, já que a C. gigas é uma espécie adaptada a águas frias do Pacífico, a sedimentação e a compactação das sementes nos “assoalhos” das lanternas.
Esta elevada perda, além de reduzir bastante a margem de lucro do produtor, faz com que a previsão de demanda seja aumentada, pois já sabendo disso o maricultor se obrigava a encomendar quantidades bem superiores a sua real necessidade e capacidade de operarar.
Na costa oeste canadense, sobretudo na região de British Columbia, os ostreicultores já superam este tipo de problema com a utilização de uma técnica conhecida como balanço do balde (no inglês bouncing bucket). Esta técnica, entre outras vantagens, permite que o produtor utilize sementes de tamanhos bem reduzidos 1,0 Hd e 1,5 Hd – alcançando índices de sobrevivência de até 100%.
Considerando algumas semelhanças das condições oceanográficas de British Columbia e de Santa Catarina e, por se constituir em uma técnica de simples aplicação, era imperativo que este método fosse testado nas águas catarinenses para que pudesse ser posteriormente difundido entre os ostreicultores de Santa Catarina e posteriormente de todo o Brasil.
Assim, entre julho e setembro de 2002, com o apoio financeiro do Programa Brasileiro de Intercâmbio em Maricultura – BMLP/CIDA/CANADA e a parceria com o Laboratório de Cultivo de Moluscos Marinhos da Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC, quem forneceu as sementes para os experimentos, foram realizados nas principais regiões produtoras de ostra do Estado uma série de experimentos para observar o desenvolvimento de sementes de ostras com tamanhos de 1,0 Hd e 1,5 Hd no sistema de “baldes flutuantes” e comparar com o crescimento observado nas lanternas-berçário convencionais até que atingissem tamanhos iguais ou superiores a 3,0 Hd.
Entre as propostas do ensaio estavam também a otimização da velocidade de crescimento e da taxa de sobrevivência das sementes; a redução do custo de produção final na ostreicultura; a elevação da taxa de sobrevivência das sementes na fase berçária e a oportunidade de garantir aos ostreicultores a aquisição de sementes para suprimento de suas demandas, com custos reduzidos, nas épocas e quantidades desejadas.
Baldes que flutuam
A técnica consiste na utilização de baldes flutuantes com fundos de tela para permitir uma circulação vertical da água (upweller) e evitar a sedimentação e compactação das ostras no fundo. A confecção dos baldes se dá de forma muito simples. São utilizados baldes de 20 litros, com os fundos cortados e substituídos por telas de 500 µm e 1.000 µm (foto 1) e, para que flutuem, é colocado na parte superior um disco de isopor com espessura de 5 cm (foto. 2).
Para o experimento realizado, foram instaladas em cada uma das cinco regiões escolhidas (Penha, Bombinhas, Governador Celso Ramos, Florianópolis e Palhoça) estruturas de cultivo suspensas-flutuantes do tipo long-line (foto. 3).
Em cada unidade experimental foram colocados seis baldes e uma lanterna-berçário como testemunho. Os tratamentos, com três repetições cada, foram assim definidos:
– Baldes com 10.000 sementes de 1,00 Hd (foto 4).
– Baldes com 10.000 sementes de 1,50 Hd (foto 5).
– Lanterna-berçário convencional com 10.000 sementes de 1,50 Hd (foto 6).
As sementes utilizadas foram fornecidas pelo Laboratório de Cultivo de Moluscos Marinhos – LCMM da UFSC, sendo todas provenientes de um mesmo lote e contadas pelo método já tradicionalmente utilizado, através de medidas de volume.
O monitoramento das unidades foi realizado a cada 15 dias, quando todas as ostras eram peneiradas em peneiras com malha de 5, 4 e 3 mm (figs. 7 e 8), e se procedia a substituição dos baldes e das lanternas-berçário, a fim de possibilitar uma melhor circulação da água em seus interiores. Em cada monitoramento foram também coletadas informações referentes a temperatura da água, a salinidade e a transparência.
Resultados e discussão
Os baldes com sementes de 1,5 Hd apresentaram o melhor resultado em todos os locais. Os resultados das lanternas-berçário com sementes de 1,5 Hd e dos baldes com sementes de 1,0 Hd não diferiram significativamente entre si.
Em todos os locais os resultados obtidos foram proporcionalmente semelhantes e bastante satisfatórios. O quadro abaixo mostra a quantidade de ostras com tamanho maior que 3 mm acumuladas durante os monitoramentos.
O local que apresentou melhor resultado foi no município de Penha, onde a maioria das sementes atingiram tamanho superior a 3 Hd, aos 30 dias. (Gráfico 1 e Tabela 1)
No município de Bombinhas a lanterna-berçário teve um melhor resultado inicial, no primeiro monitoramento, mas após o segundo monitoramento, os resultados dos baldes com sementes de 1,5 Hd superaram os da lanterna. Isso pode ser atribuído a qrande quantidade de materiais em suspensão na água, que obstruía a circulação da água, sobretudo, nas telas mais finas. (Gráfico 2 e Tabela 2)
Em Governador Celso Ramos os resultados dos três tratamentos foram bastante parecidos e regulares. Com uma ligeira vantagem para os baldes com ostras de 1,5Hd. (Gráfico 3 e Tabela 3)
Florianópolis foi o município em que os baldes com sementes de 1,5 Hd mais se destacaram em relação aos outros tratamentos. Inicialmente, no primeiro monitoramento, a lanterna-berçário teve um resultado bastante superior aos baldes com sementes de 1,0 Hd, mas como a perda de sementes é menor nos baldes, estes apresentaram melhores resultados finais. (Gráfico 4 e Tabela 4)
No município de Palhoça os resultados não foram muito diferentes. Houve apenas uma pequena vantagem de crescimento das ostras em todos os tratamentos nos primeiros 30 dias do projeto. (Gráfico 5 e Tabela 5)
Conclusões
Com os excelentes resultados obtidos em todas as regiões, sobretudo com as sementes de 1,5 Hd, o ostreicultor catarinense passa a ter uma melhor perspectiva de renda e crescimento da atividade. Além disso, o que antes era possível para os produtores com maior disponibilidade de capital, agora a grande maioria dos pescadores artesanais que se voltam para o cultivo de mexilhões já podem contar com a possibilidade de diversificar a sua produção, utilizando as mesmas estruturas disponíveis.
A partir dos resultados que possivelmente deverão ser obtidos quando da repetição dos experimentos no período de verão, época em que a temperatura da água chega aos 30 0 C, essa tecnologia deverá inclusive ser extendida às regiões Sudeste e Nortesde do país, aonde já começa a se destacar o cultivo da ostra nativa (Crassostea rhizophorae), a partir de sementes obtidas no ambiente natural.
Além disso, embora as vantagens que esta nova técnica apresenta, é sempre importante que se possua um bom conhecimento das condições ambientais das áreas de cultivo para que possa estabelecer um manejo mais adequado dos baldes.
As referências bibliográficas poderão ser solicitadas aos autores através de do e-mail [email protected].