Num médio prazo o Brasil poderá se tornar um dos maiores produtores de tilápia no mundo. Embora a maior parte da produção comercial de tilápias esteja no momento concentrada nos estados do Paraná, São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais, as regiões Nordeste e Centro Oeste deverão abrigar os maiores pólos de produção de tilápia em nosso país. O reconhecimento deste potencial culmina com a realização, em setembro próximo, do 5º Simpósio Internacional sobre a Aqüicultura de Tilápias (5º ISTA). Com o intuito de contemplar o referido evento, e sob a sugestão da Panorama da Aqüicultura, elaboramos em duas partes, este artigo especial com enfoque sobre os sistemas de produção, o planejamento do cultivo, o manejo nutricional e alimentar e as principais doenças registradas no cultivo intensivo de tilápias. O material aqui apresentado é uma síntese de alguns dos capítulos do livro que será lançado durante o 5º ISTA, e que reúne a tecnologia hoje disponível no mundo para a produção comercial de tilápias.
Por Fernando Kubitza (Ph. D.) – Méd. Vet.
Ludmilla M. M. Kubitza – ACQUA & IMAGEM SERVIÇOS – Jundiaí, SP
Através de um adequado planejamento da produção em fases e ajuste do manejo nutricional e alimentar às diversas fases de desenvolvimento e sistemas de cultivo, as tilápias podem ser produzidas com custos e rentabilidades mais atrativos do que a grande maioria das espécies de peixes cultivadas no Brasil.
Para que isto seja possível, os piscicultores e técnicos devem conhecer particularidades deste peixe no que tange à tolerância às condições adversas de qualidade da água; sua habilidade de aproveitamento do alimento natural, suas características de manejo e índices de desempenho. Neste artigo vamos sumarizar alguns fundamentos e informações importantes ao planejamento da produção de tilápias em diferentes sistemas de produção.
Características das principais espécies de tilápia
Algumas das características que colocaram as tilápias no pódio das principais espécies cultivadas comercialmente são: 1) a facilidade de reprodução e obtenção de alevinos; 2) a possibilidade de manipulação hormonal do sexo para obtenção de populações masculinas; 3) a boa aceitação de diversos tipos de alimentos; 4) a grande capacidade de aproveitar alimentos naturais em viveiros; 5) conversão alimentar entre 1 a 1,8; 6) bom crescimento em cultivo intensivo (5 a 500g em 4 a 5 meses); 7) grande rusticidade, suportando bem o manuseio intenso e os baixos níveis de oxigênio dissolvido na produção e, sobretudo, sua grande resistência às doenças; 8) a carne branca, de textura firme, sem espinhos, de sabor pouco acentuado e de boa aceitação.
Dentre mais de 70 espécies de tilápias, a maioria delas oriundas da África, quatro conquistaram destaque na aqüicultura mundial: a tilápia de Moçambique Oreochromis mossambicus, a tilápia-do-Nilo Oreochromis niloticus; a tilápia azul ou tilápia áurea Oreochromis aureus e a tilápia de Zanzibar Oreochromis urolepis hornorum. Na Tabela 1 são resumidas as principais características destas espécies. Combinações entre estas espécies foram usadas para obtenção de tilápias híbridas, em particular as tilápias vermelhas. As características destes híbridos são intermediárias, dependendo do grau de contribuição das espécies que lhe deram origem.
Qualidade da água na produção de tilápias
Dentro dos seus limites de tolerância, as tilápias se adaptam bem às diferentes condições de qualidade de água. São bastante tolerantes ao baixo oxigênio dissolvido, convivem com uma faixa bastante ampla de acidez e alcalinidade na água, crescem e até mesmo se reproduzem em águas salobras e salgadas e toleram altas concentrações de amônia tóxica comparadas à maioria dos peixes cultivados.
Oxigênio dissolvido. Alevinos de tilápia-do-Nilo de 10 a 25 gramas sobreviveram à exposição ao oxigênio dissolvido entre 0,4 a 0,7mg/litro por 3 a 5 horas, até quatro manhãs consecutivas, sem registro de significativa mortalidade. Também há relatos desta tilápia tolerar oxigênio zero (anoxia) por até 6 horas. Apesar desta tremenda habilidade em sobreviver algumas horas mesmo sob anoxia, tilápias freqüentemente expostas ao baixo oxigênio dissolvido ficam mais susceptíveis às doenças e apresentam desempenho reduzido. Quando a concentração de oxigênio dissolvido atinge 45 a 50% da saturação (aproximadamente 3 a 3,5 mg/litro, a 28-30°C), a tilápia-do-Nilo começa a reduzir sua atividade e, portanto, o consumo de oxigênio. Este parece ser um mecanismo regulador do consumo de oxigênio, compensando assim a redução do oxigênio na água. A concentração crítica de oxigênio (grande desconforto) para a as tilápias está entre 20 a 10% da saturação a temperaturas entre 26 a 35°C, ou seja, entre 1,6 a 0,7mg/litro.
pH. O pH da água no cultivo de tilápias deve ser mantido entre 6 a 8,5. Abaixo de 4,5 e acima de 10,5 a mortalidade é significativa. Morte total entre 1 a 3 dias ocorre com tilápias em água com pH 3 e uma mortalidade de 50% foi registrada após 19 dias em água de pH 4. Quando exposta ao pH baixo, astilápias apresentam sinais de asfixia (movimentos operculares acelerados e boquejamento na superfície). O corpo e as brânquias apresentam excesso de muco. Peixes mortos permanecem com a boca aberta e apresentam os olhos saltados, semelhantes aos sinais de morte por falta de oxigênio. Acidez excessiva causa aumento na secreção de muco, irritação e inchaço nas brânquias, culminando com a destruição do tecido branquial. Em viveiros com excesso de fitoplâncton (águas muito verdes) e baixa alcalinidade total (< 20mg de CaCO3/litro) o pH pode alcançar valores acima de 12 ao final da tarde em dias muito ensolarados. Isto pode inibir o consumo de alimento e, se ocorrer com freqüência, afetar o crescimento dos peixes. Mortalidade direta devido a esta elevação do pH geralmente não é observada, pois os peixes geralmente encontram conforto em águas mais profundas. No entanto, o elevado pH pode potenciar os problemas com toxidez por amônia e aumentar a susceptibilidade dos peixes às doenças, ao manuseio e transporte.
Amônia. Proveniente da própria excreção nitrogenada dos peixes e da decomposição do material orgânico na água, a amônia está presente na água sob duas formas: o íon amônio NH4+ (forma pouco tóxica) e a amônia NH3 (forma tóxica). Os kits de análise de água mensuram a amônia total na água, ou seja, NH4+ e NH3 juntos. Para saber quanto da amônia total está na forma tóxica, é preciso medir o pH da água. Quanto maior for o pH, maior será a porcentagem de amônia tóxica na amônia total. Assim, uma água com 2mg de amônia total pode conter apenas 0,0014mg de NH3/litro a pH 7 (0,7%) ou níveis tóxicos maiores que 1mg em água com pH acima de 9,3. Tabelas relacionando a porcentagem de amônia tóxica ao pH da água podem ser encontrados em livros de qualidade de água e nos manuais dos kits de análises. A concentração de amônia não ionizada de 0,20mg/L deve servir como alerta no cultivo de tilápias. Mesmo sem observar mortalidade diretamente atribuída à toxidez por amônia, a exposição dos peixes a níveis sub-letais de amônia afeta a lucratividade do empreendimento, por comprometer o crescimento e a conversão alimentar, a tolerância ao manuseio e transporte e a condição de saúde dos peixes. As concentrações letais que mata 50% dos animais (LC50) dependem da espécie de tilápia, do tempo de exposição, do tamanho do peixe, da pré-exposição ou adaptação a níveis sub-letais de amônia, entre muitos outros fatores. A LC50 para 24 a 96h de exposição varia de 2,3 a 6,6mg de NH3/l. O monitoramento semanal da amônia e pH deve ser feito em viveiros e tanques com altos níveis de arraçoamento. Como o pH da água nos viveiros tende a subir ao longo do dia, as medições de amônia e pH devem ser feitas ao final da tarde, quando a probabilidade de ocorrer problemas com toxidez por amônia é maior.
Temperatura. Tilápias são peixes tropicais que apresentam conforto térmico entre 27 a 32°C (Figura 1). O manuseio e o transporte sob baixas temperaturas (<22°C), principalmente após o inverno, resultam em grande mortalidade. Tilápias bem nutridas e que não sofreram estresse por má qualidade da água, toleram melhor o manuseio sob baixas temperaturas. Temperaturas acima de 32°C e abaixo de 27°C reduzem o apetite e o crescimento. Abaixo de 20°C o apetite fica extremamente reduzido e aumenta os riscos de doenças. Temperaturas abaixo de 14°C geralmente são letais as tilápias.
Salinidade. Em regiões onde a expansão da aqüicultura só é possível com o uso de água salobra ou salgada o cultivo de tilápias tolerantes à salinidade é uma alternativa. A tilápia de Moçambique e a tilápia de Zanzibar apresentam grande tolerância à alta salinidade, crescendo e se reproduzindo de forma mais eficiente em águas salobras do que em água doce. Ambas são capazes de se reproduzir à salinidade acima de 32ppt (água salgada). A tilápia azul e a tilápia-do-Nilo também podem ser aclimatadas à água salgada. A tilápia-do-Nilo se reproduz normalmente em salinidades de até 15ppt. No entanto, a reprodução não ocorre a 30ppt (água salgada). O crescimento da tilápia azul e da tilápia-do-Nilo é maximizado é maximizado a salinidades ao redor de 10ppt. Além das particularidades de cada espécie, outros fatores parecem afetar a tolerância das tilápias à salinidade, entre muitos a estratégia de adaptação, a idade dos peixes no momento da transferência e a prévia exposição de ovos e pós-larvas à água de maior salinidade. Uma adaptação gradual, com o aumento da salinidade na ordem de 5ppt ao dia, resulta em melhor sobrevivência após a transferência para água salgada do que com a transferência direta. A tolerância à salinidade aumenta com a idade/tamanho do peixe. Para a tilápia vermelha da Flórida, a tolerância é maior aos 40 dias de vida, embora isto não exclua a necessidade de adaptação gradual. A tilápia-do-Nilo apresenta baixa tolerância até os 40-45 dias de vida. O tamanho parece ser mais importante do que a idade, no que diz respeito à tolerância à salinidade. Para a tilápia do Nilo, a tolerância máxima a salinidade parece ser atingida com alevinos maiores que 5cm.
Limites de produção no cultivo de tilápias
Os sistemas de produção utilizados no cultivo de tilápias são bastante diversificados em função: 1) da disponibilidade de recursos financeiros e insumos de produção; 2) do acesso e da viabilidade do emprego de tecnologia; 3) da disponibilidade de recursos hídricos; 4) da disponibilidade de área; 5) das condições climáticas prevalentes; 6) das particularidades do mercado consumidor; 7) das características intrínsecas de cada empresa; entre outros fatores. Assim, os índices de produtividade, custos de produção e lucratividade são bastante distintos entre os diferentes sistemas de produção de tilápias. Por exemplo, biomassa entre 30 a 400kg de peixes/ha podem ser sustentadas em viveiros que não receberam qualquer aporte de nutrientes (ração ou fertilizantes). Viveiros nos quais os peixes são alimentados com ração, podem sustentar entre 4.000 a 40.000kg de peixe/ha, em função da qualidade da ração, uso ou não de aeração e intensidade de troca de água. Em outro extremo, 200kg de peixes/m3 (extrapolando, seriam 2.000t de peixes/ha) são produtividades comuns em tanques de alto fluxo e tanques-rede de pequeno volume.
Capacidade de suporte e o conceito de biomassa econômica
Independente dos sistemas de cultivo e das estratégias de produção adotadas, o conhecimento dos conceitos e a quantificação da capacidade de suporte, biomassa crítica e biomassa econômica, bem como dos índices de desempenho das espécies cultivadas, é fundamental para o adequado planejamento e otimização da produção. Na Figura 1 é representado, graficamente, os conceitos de Biomassa Crítica, Biomassa Econômica e Capacidade de Suporte.
CAPACIDADE DE SUPORTE (CS). É a máxima biomassa de peixes capaz de ser sustentada em uma unidade de produção (viveiro, tanque-rede, raceway, etc). O crescimento dos peixes (ou da população de peixes) é zero no momento em que a capacidade de suporte foi atingida (Figura 1). Qualquer tentativa de superar este limite de biomassa sem incrementar a estratégia de cultivo pode resultar em perda parcial ou total da produção. A capacidade de suporte pode ser expressa em relação à área (kg/ha, kg/1.000m2 ou kg/m2) ou ao volume (kg/m3) da unidade de produção. A determinação da capacidade de suporte é feita com base nos resultados de cultivos anteriores ou pode ser estimada através dos dados de produção obtidos em outras pisciculturas ou mesmo obtidos em publicações técnicas.
BIOMASSA CRÍTICA (BC). Em algum momento do cultivo o crescimento diário dos peixes (ou da população de peixes) atinge um valor máximo, ou seja, o máximo ganho de peso possível por peixe (g/dia) ou por unidade de área (kg/ha/dia) ou volume (kg/m3/dia). Neste momento dizemos que a unidade de produção atingiu a sua biomassa crítica (Figura 1). A partir do ponto de biomassa crítica o crescimento dos peixes começa a ser cada vez mais reduzido até que o sistema atinja sua capacidade de suporte e os peixes parem de crescer.
BIOMASSA ECONÔMICA (BE). A biomassa econômica corresponde a uma biomassa entre a capacidade de suporte e a biomassa crítica (Figura 1). A biomassa econômica representa o valor de biomassa onde há o maior lucro acumulado durante o cultivo (máximo lucro possível) e o ponto onde a despesca (parcial ou total) deve ser realizada. Avançar o cultivo além da biomassa econômica resulta em redução da receita líquida por área ou volume, ou seja, diminuição no lucro, além de gasto adicional de tempo com a ocupação desnecessária da unidade de produção.
O ponto de biomassa econômica de uma unidade de produção depende, basicamente, do custo de produção e do valor de mercado do peixe produzido. Por hora vamos assumir que, em geral, a biomassa econômica gira em torno de 60 a 80% da capacidade de suporte. A capacidade de suporte dos sistemas de produção em tanques e viveiros com baixa renovação de água é determinada, em sua ordem, pelos seguintes fatores: (1). Quantidade de alimento disponível; (2). Qualidade do alimento; (3). Níveis críticos de oxigênio dissolvido; (4). Concentração de amônia e gás carbônico na água. Tilápias são reconhecidas pela grande habilidade em reduzir a carga orgânica nos viveiros, quer pelo eficiente consumo de plâncton, quer pelo consumo de outros resíduos orgânicos. Soma-se a isto sua grande capacidade em tolerar baixos níveis de oxigênio dissolvido. Isto explica a maior capacidades de suporte observada na produção de tilápias quando comparada a maioria dos peixes de respiração branquial. Na Tabela 2 são sumarizados os valores de capacidade de suporte observados em diferentes sistemas de produção de tilápia. Também é apresentada uma estimativa dos valores de biomassa econômica para estes mesmos sistemas.
A produção em fases e o uso eficiente do espaço
A produção em fases (Figura 2) otimiza o uso das unidades de produção (viveiros, tanques-rede e raceways). Na Tabela 3 é apresentado uma comparação onde, com a mesma área de produção, uma piscicultura pode produzir 38% mais tilápias utilizando 3 fases, contra um única fase de produção. O fundamento básico é a manutenção de uma biomassa sempre próxima ao ponto de biomassa crítica, o que permite um arraçoamento médio mais elevado e maior ganho diário em biomassa (kg/ha/dia ou kg/m3/dia). Em cada fase, a estocagem deve ser feita a uma biomassa de peixes logo abaixo da biomassa crítica e a despesca realizada quando a biomassa econômica for atingida. No ciclo seguinte repete-se este mesmo procedimento (Figura 2). A adoção da produção em fases exige, porém, um uso mais intenso de mão-de-obra e um sistema eficiente de movimentação dos peixes dentro da piscicultura. Os resultados, no entanto, compensam este maior empenho.
Sistemas de produção de tilápias
Viveiros adubados. A tilápia pode ser cultivada em viveiros adubados com fertilizantes inorgânicos, estercos animais e subprodutos vegetais. A calagem é utilizada para corrigir a acidez, a alcalinidade e a dureza da água sempre que necessário. A adubação promove a produção de alimento natural, notadamente o plâncton, eficientemente aproveitado pelas tilápias. A capacidade de suporte pode variar entre 1.000 a 3.700 kg/ha, em função da qualidade e da quantidade dos fertilizantes aplicados. A adubação execessiva compromete a qualidade da água, prejudicando o desenvolvimento e a sobrevivência dos peixes.
Adubação e alimento suplementar. A substituição de parte dos fertilizantes por um alimento suplementar aumenta a oferta de alimento e reduz a carga orgânica nos viveiros, permitindo o aumento na capacidade de suporte. Uma mistura de farelos, restos de restaurantes e varejões, e até mesmo rações peletizadas de baixo custo são usados como alimento suplementar. No alimento natural os peixes obtém aminoácidos essenciais, vitaminas e minerais que faltam no alimento suplementar. Apesar do menor impacto sobre a qualidade da água comparado ao uso exclusivo de adubos, os alimentos suplementares geralmente apresentam baixa estabilidade na água e reduzida digestibilidade, favorecendo um considerável acúmulo de nutrientes e resíduos nos viveiros. As fezes dos peixes e as sobras de alimento contribuem com o desenvolvimento do plâncton. O excesso de fitoplâncton e a degradação da matéria orgânica reduz o oxigênio na água, particularmente à noite. Assim, a capacidade de suporte é limitada entre 2.500 a 8.000kg/ha, dependendo da qualidade do alimento suplementar utilizado e da quantidade de adubos aplicada.
Viveiros com baixa renovação de água e ração completa. O próximo passo para incremento da capacidade de suporte é o uso de rações completas (que reúnem todos os nutrientes exigidos pelos peixes). Isto diminui a dependência quanto ao alimento natural. No entanto, a tilápia ainda assim se beneficia do alimento natural disponível. Adubar os viveiros nas fases iniciais também traz benefícios às tilápias. A adubação é interrompia com o avanço do cultivo, pois as fezes e a excreção nitrogenada dos peixes são suficientes para manter uma adequada produção de plâncton e outros organismos. O excesso de material orgânico nos viveiros acelera a degradação da qualidade da água e prejudica o crescimento e a sobrevivência dos peixes. A capacidade de suporte de tilápias em viveiros com ração completa, baixa renovação de água e sem aeração varia entre 6.000 a 10.000kg/ha, sendo limitada pela concentração de oxigênio dissolvido, a qual diminui progressivamente com o aumento na quantidade diária de ração fornecida. Portanto, a capacidade de suporte é limitada pelo máximo arraçoamento que pode ser aplicado sem comprometer o oxigênio dissolvido na água. Em viveiros para tilápia isto gira em torno de 60 a 100kg de ração/ha/dia, dependendo da qualidade da ração utilizada.
Aeração de viveiros e produção de tilápias. Em viveiros com baixa renovação e uso de ração completa, a aeração de emergência permite aumentar o arraçoamento para 120kg/ha/dia ou mais. No entanto, mais que 120kg de ração/ha/dia pode elevar a concentração de amônia na água. Níveis tóxicos de amônia podem ocorrer ao final da tarde com o pH da água acima de 8,5. Embora a aeração segure o oxigênio dentro de valores aceitáveis, a amônia reduzirá o desempenho dos peixes. A capacidade de suporte é atingida entre 10.000 a 20.000kg/ha, em função da qualidade da ração e da potência de aeração empregada. Em Honduras, Coddington e Green (1993) observaram melhoria de 18 a 21% no crescimento, 3 a 5% na sobrevivência e 21 a 25% na produção de tilápias em viveiros com aeração. Iniciar a aeração quando a concentração de oxigênio atingia 30% da saturação (ao redor de 2,4mg/litro) não melhorou o desempenho produtivo ou a sobrevivência da tilápia-do-Nilo, comparado ao início da aeração a 10% da saturação (ao redor de 0,8mg/litro). Para fins práticos, podemos esperar um incremento de 20 a até 60% na capacidade de suporte de tilápias com o uso de aeração de emergência. Deste ponto em diante, o incremento na capacidade de suporte depende da renovação de água.
Viveiros com renovação de água e aeração. A renovação de água diminui a a carga orgânica e a concentração de amônia na água, o que permite aumentar o araçoamento e, portanto, a capacidade de suporte. Muitos sistemas com renovação parcial de água usam aeração, geralmente a partir do ponto de biomassa crítica. A capacidade de suporte pode chegar a 40.000kg/ha, em função da taxa de renovação de água, da existência ou não de aeração, da forma como a aeração é aplicada, entre muitos outros fatores. Em Israel, biomassa, de tilápia ao redor de 70.000kg/ha foram alcançadas em tanques com 3 trocas parciais de água por dia para remoção das fezes.
Produção de tilápias em raceways. “Raceways” são tanques com alto fluxo de água, entre 1 a 20 trocas totais por hora (Figura 3). Os resíduos (fezes e sobras de rações) são arrastados com a corrente de água para fora do raceway. A capacidade de suporte para tilápias em raceways 60 a 200kg/m3, em função da renovação de água disponível e do uso ou não de aeração. O oxigênio dissolvido é o primeiro fator limitante da produção em raceways. Berman (1998) descreve o sistema de produção da Aqua Corporation International S.A., na Costa Rica. Cerca de 4.200 toneladas de tilápias de 900g são produzidas anualmente. As últimas duas fases de produção (50 a 300g e 300 a 900g) são feitas em raceways, com uma biomassa final ao redor de 70kg/m2.
Sistemas de recirculação de água. A recirculação é uma boa alternativa quando a água for limitada ou quando há necessidade de aquecimento da água. Há necessidade de instalar filtros mecânicos para remoção dos resíduos orgânicos e de filtros biológicos para transformar a amônia em nitrato (Figura 4).
O sistema de cultivo “Dekel”, desenvolvido em Israel e difundido em vários países, serve como um bom exemplo de um sistema de recirculação utilizado no cultivo de tilápias (Figura 5). Neste sistema os peixes são produzidos em tanques circulares ou hexagonais com fundo cônico para facilitar a remoção dos resíduos orgânicos (fezes, restos de ração e plâncton). Os tanques são escavados em terra e podem ou não ser revestidos. Aeradores de pá são usados para oxigenação e promoção de um movimento circular da água que concentra os resíduos orgânicos ao redor de um dreno central para eliminação através de descargas de água periódicas. A água que deixa os tanques de produção é conduzida a um reservatório (geralmente um viveiro ou represa), onde ocorrem a sedimentação dos resíduos orgânicos, os processos de nitrificação e a reoxigenação parcial da água através da fotossíntese. No reservatório geralmente são estocados peixes como a carpa comum e mesmo tilápias, que se beneficiam dos resíduos orgânicos e do alimento natural disponível. Do reservatório, a água retorna, por bombeamento ou por gravidade, aos tanques de produção de tilápias. Biomassas entre 10 a 25 kg de tilápia/m2 (100.000 a 250.000 kg/ha) são mantidas nos tanques de produção. No entanto, quando considerada a área ocupada pelo viveiro-reservatório, a capacidade de suporte cai para 3,9 a 4,5 kg/m2 (39.000 a 45.000 kg/ha). Em geral, a capacidade de suporte no cultivo de tilápias com recirculação de água gira entre 20 a 60kg/m3. O risco de perdas de peixe por falha instrumental ou por doenças aumenta nos sistemas de recirculação, exigindo do piscicultor uma atenção maior quanto aos pontos críticos do sistema.
Produção de tilápias em gaiolas. No cultivo de tilápias em gaiolas a produção por ciclo pode variar de 30 a 300kg/m3, em função do tamanho da gaiola (ou tanque-rede) utilizada. Gaiolas de baixo volume (até 6m3) permitem produzir 200 a 300kg de tilápia/m3 por ciclo. Alguns recordes foram estabelecidos em gaiolas de baixo volume/alta densidade. Na China 680kg de carpas foram produzidos em gaiola de 1-m3 (Schmittou, comunicação pessoal). No Brasil, a biomassa de tilápias em gaiolas de 4-m3 pode chegar a 480kg/m3 (Ivantes, comunicação pessoal). Estes valores devem estar próximos à capacidade de suporte em gaiolas de baixo volume. Em outro extremo estão os tanques-rede de maiores dimensões (acima de 10m3), onde a produção pode variar entre 30 a 100kg/m3. Esta diferença se deve a maior taxa de renovação de água em tanques-rede de baixo volume comparado aos de grande volume, permitindo a manutenção de uma qualidade de água melhor no interior dos tanques-rede. O Dr. Holmer R. Schmittou foi o idealizador do sistema de tanque-rede de baixo volume e alta densidade, hoje bastante popular no cultivo de tilápias em diversos países, notadamente a China e o Brasil. No cultivo em gaiolas, o acesso dos peixes ao alimento natural é limitado. Assim, para se obter adequado crescimento e saúde dos peixes ao longo do cultivo é necessário o uso de rações nutricionalmente completas e de alta qualidade.
O conceito de capacidade de suporte no cultivo de peixes em gaiolas. Os limites de capacidade de suporte e os níveis de arraçoamento estabelecidos para cultivo em viveiros servem como referência para definir os limites de capacidade se suporte em represas com gaiolas. Por exemplo, um açude suporta 6.000kg de peixes/ha e um arraçoamento de até 60kg de ração/ha/dia quando os peixes são cultivados soltos. Se optarmos por gaiolas, A biomassa de todos os peixes confinados não deve exceder estes limites. Por segurança, a capacidade de suporte nos viveiros com gaiolas constuma ser mantida abaixo dos limites para peixes soltos. A vantagem do uso de gaiolas é a facilidade de colheita dos peixes. Para pequenos açudes e viveiros utilizados com gaiolas, a biomassa econômica deve ficar entre 2.500 a 3.500kg/ha quando a renovação de água for limitada. O arraçoamento é mantido entre 30 a 40kg/ha/dia.
Planejando a produção de tilápias
Para planejar a produção de tilápias, o piscicultor precisa definir, com base nos resultados de cultivos anteriores, ou de acordo com os sistemas de produção detalhados neste artigo, a capacidade de suporte e a biomassa econômica do seu sistema. Adicionalmente, precisa ter uma noção dos índices de desempenho das tilápias nas diferentes fases de desenvolvimento (Tabela 4).
Planejamento da produção de tilápias em viveiros
No exemplo a seguir está o planejamento da produção de tilápias em viveiros com o uso de ração completa, aeração de emergência e baixa renovação de água. Estabelecemos a biomassa econômica ao redor de 8.500 kg/ha na Fase 3 (fase final) e 6.500 kg/ha nas Fases 1 e 2. Usamos a expectativa média desempenho (Tabela 4) e deixamos 10 dias extras para completar a despesca e realizar a estocagem dos viveiros nas Fases 1 e 2 (duração do ciclo= 50 dias + 10 dias = 60 dias) e mais 20 dias para a Fase 3 (duração do ciclo= 100 dias + 20 dias). A expectativa de sobrevivência é de 85%, 95% e 98% para as fases 1, 2 e 3, respectivamente. Assim, montamos a Tabela 5.
Para calcular a necessidade de área em cada fase é preciso conhecer a relação entre a área das mesmas. Na despesca da Fase 1, são capturados 22 peixes/m2. Isto é suficiente para estocar 2,9m2 (22/7,6) de viveiro da Fase 2. Assim, a relação entre as áreas da Fase 1 e Fase 2 é de 1 para 2,9 (ver a Tabela 5). A despesca da Fase 2 rende 7,2 peixes/m2, o suficiente para estocar 3,6m2 (7,2/2) de viveiros na Fase 3. No entanto, os viveiros da Fase 2 giram um ciclo de 60 dias contra 120 dias na Fase 3. Assim, quando os viveiros da Fase 2 completarem mais um ciclo será necessário disponibilizar um segundo grupo de viveiros da Fase 3. Portanto, cada 1m2 da Fase 2 abastecerá 7,2m2 (3,6 x 2) da Fase 3. Mantendo a relação entre as áreas das 3 fases teremos: Fase 1: 1,0m2; Fase 2: 2,9m2; e Fase 3: 21,0m2 (2,9m2 x 7,2m2). Agora podemos dividir a piscicultura em partes: 1 parte para a Fase 1; 2,9 partes para a Fase 2; e 21 partes para a Fase 3. A soma de todas as partes corresponde a 24,9 (100%). A Fase 1 ocupará 4% da área total (1×100/24,9); a Fase 2 ocupará aproximados 12% (2,9×100/24,9) e, a Fase 3 ocupará 84% da área total (21×100/24,9). Vamos supor que exista uma piscicultura já implantada com uma área total de viveiros de 40 hectares. A área total de viveiros alocada para as Fases 1, 2 e 3 será 0,16ha (4% de 40ha), 4,8ha (12% de 40ha) e 33,6ha (84% de 40ha). O potencial de produção de tilápias de 450g da piscicultura em questão pode ser calculado da seguinte maneira:
· Os viveiro da Fase 3 permanecem ocupados 120 dias por safra, ou seja, podem produzir 3 safras por ano (365dias/120dias);
· Se todos os 33,6 hectares destinados à Fase 3 forem utilizados, o potencial de produção anual será: 33,6 ha x 3 safras x 8,5t/ha/safra = 857 toneladas.
No entanto, nem sempre todos os viveiros disponíveis se ajustam perfeitamente ao planejamento inicialmente realizado. O piscicultor ou o técnico deverá avaliar como os viveiros estão distribuídos dentro da propriedade e alocá-los às fase de cultivo que melhor convier, de forma a atender satisfatoriamente a logística de produção. Os viveiros também apresentam dimensões variadas, o que dificulta a alocação dos mesmos nas proporções ideais entre as fases de cultivo. Deste modo, nem sempre é possível aproveitar com 100% de eficiência a área de produção disponível. Outros fatores também contribuem com a diminuição da eficiência de uma piscicultura. Por exemplo, os atrasos na entrega de alevinos e na venda dos peixes terminados; mortalidades inusitadas de alevinos após o transporte; entre muitos outros. O piscicultor/técnico deve estar atento e antecipar tais problemas, assegurando estoques reguladores de alevinos, antecipando compromissos de venda, entre outros cuidados.
Planejamento da produção de tilápias em gaiolas
Com os mesmos dados do exemplo anterior podemos planejar a produção de tilápias em gaiolas. Os cálculos seguem a mesma lógica do planejamento para viveiros. Vamos supor que dispomos de um açude de 20 hectares, com renovação mínima de água. O primeiro passo é estabelecer a biomassa econômica para este açude. Neste exemplo, será de 2.500 kg/ha, ou seja, em momento algum a soma da biomassa de todas as gaiolas deve exceder a 50 toneladas no açude em questão. Com esta biomassa econômica, o arraçoamento diário não deverá exceder 40 a 50kg de ração/ha. Com base nos níveis de oxigênio dissolvido pela manhã, o piscicultor poderá decidir, ao longo do cultivo, sobre o aumento ou redução no número de gaiolas no açude. Cada gaiola tem 4m3 de volume útil. Os alevinos serão estocados com peso médio ao redor de 4g. Na Tabela 6 segue um resumo da estratégia de produção e índices de desempenho esperados em cada fase do cultivo.
A relação entre volumes é a porcentagem do volume de gaiolas destinadas a cada fase é calculada da mesma forma que no exemplo anterior. Portanto, a as Fases 1, 2 e 3 utilizarão 7, 11 e 82% das gaiolas, respectivamente. Com base nesta proporção vamos estabelecer um módulo de gaiolas como detalhado a seguir:
Fase 1: 7 gaiolas, equivalente a Biom. média de 7 x 4m3 x 53kg/m3 = 1.484kg;
Fase 2: 11 gaiolas, equivalente a Biom.média de 11 x 4m3 x 102kg/m3 = 4.488kg;
Fase 3: 82 gaiolas, equivalente a Biom. média de 82 x 4m3 x 121kg/m3 = 39.688kg.
A biomassa total do módulo é 45.660kg, o que representa 91% (0,91) das 50 toneladas estabelecidas como biomassa econômica para o açude. Assim, poderemos ter no açude:
Fase 1: 7 gaiolas / 0,91 = 8 gaiolas (8x4x53= 1.696kg);
Fase 2: 11 gaiolas / 0,91 = 12 gaiolas (12x4x102= 4.896kg);
Fase 3: 82 gaiolas / 0,91 = 90 gaiolas (90x4x121= 43.560kg).
No total seriam 50.152kg de peixes estocados em um dado momento, o que está bem próximo da biomassa econômica proposta.
Esperamos que esta primeira parte tenha ajudado o leitor a conhecer um pouco mais sobre as tilápias, suas particularidades quanto à qualidade de água e a capacidade de suporte para este peixe em diferentes sistemas de cultivo. Com base nestas informações básicas, já é possível iniciar o planejamento da produção na próxima safra. Na segunda parte deste artigo traremos sugestões quanto ao manejo alimentar em cultivo intensivo e uma resenha das principais doenças registradas na produção comercial de tilápias.
Leia também:
- Parte 2 – Qualidade da água, sistemas de cultivo, planejamento da produção, manejo nutricional e alimentar e sanidade – https://panoramadaaquicultura.com.br/qualidade-da-agua-sistemas-de-cultivo-planejamento-da-producao-manejo-nutricional-e-alimentar-e-sanidade-parte-ii/