Por: Fernando Kubitza, Especialista em Aqüicultura, Projeto Pacu – e-mail: [email protected]
Esta é a continuação da íntegra do artigo “Transporte de Peixes Vivos” de Fernando Kubitza, cuja primeira parte foi editada na edição passada (nº 43) da Panorama da AQÜICULTURA. Estamos reeditando as tabelas 2 e 4 por ilustrarem também esta segunda parte do artigo.
4. Tanques para transporte de peixes
Há uma grande diversidade de modelos de tanques usados no transporte de peixes. De uma forma geral estes tanques se diferenciam pelo seu tamanho, formato e pela qualidade e tipo de materiais usados na fabricação. A seguir serão discutidas algumas particularidades desejáveis nos tanques de transporte de peixes.
Materiais para fabricação dos tanques
De preferência, materiais leves e resistentes à corrosão pela água como o alumínio, a fibra de vidro, o PVC (polivinylchloride) e o polietileno devem ser usados na fabricação de tanques de transporte. Tanques leves são facilmente carregados e descarregados da carroceria dos caminhões/caminhonetes e permitem o transporte de uma maior carga de peixes sem exceder a capacidade de transporte do veículo usado.
Isolamento térmico
O isolamento térmico do tanque de transporte é essencial. Durante o verão, tanques mal insulados e de coloração escura se aquecem demasiadamente, comprometendo o sucesso do transporte. Durante o inverno estes mesmos tanques podem apresentar excessivo abaixamento da temperatura da água a níveis letais para algumas espécies. O interior das paredes externas dos tanques devem ser preenchidos com materiais isolantes térmicos como a madeira, isopor, cortiça, lã de vidro, espumas e a fibra de vidro. Novamente é feita a preferência pelo uso de materiais leves para esta finalidade. Uma espessura mínima de 5cm é recomendada para a camada isolante. Paredes externas de coloração clara (branca ou prateada) minimizam o aquecimento da água nos tanques de transporte pela radiação solar, principalmente nos dias quentes de verão.
Formato e tamanho dos tanques
Os tanques usados no transporte de peixes apresentam formato bastante variado. Tanques circulares ou elípticos comparados aos tanques retangulares e quadrados, apresentam a seguintes vantagens: 1) mais leves pois exigem menos componentes estruturais; 2) melhor circulação de água; 3) reduz as colisões dos peixes contra as paredes; 4) descarregamento mais rápido dos peixes; 5) melhor distribuição de peso e equilíbrio sobre o chassis dos caminhões. No entanto, tanques quadrados e retangulares podem ser melhor acondicionados sobre a carroceria dos caminhões, ocupando bem o espaço disponível.
A divisão interna dos tanques em compartimentos permite o transporte de peixes de espécies e tamanhos diferentes, reduz a turbulência na água, facilita a distribuição dos peixes em diferentes localidades e permite um ajuste diferenciado da carga em função do tempo de transporte para entrega dos peixes em diferentes locais. A capacidade dos compartimentos podem variar de 380 a 3.500L. Compartimentos de grande volume devem ser providos com anteparos de superfície (“baffles”) para reduzir a turbulência da água durante o transporte. Tanques de menor volume podem ser usados, principalmente para o transporte de alevinos. As tampas dos compartimentos devem ser de tamanho adequado, permitindo um rápido carregamento dos peixes. Cada compartimento deve ter uma comporta inferior de tamanho grande para uma descarga rápida dos peixes.
Canaletas de alumínio ou fibra de vidro devem ser acopladas às comportas no momento do descarregamento, de forma a facilitar a descarga dos peixes com água, reduzindo os danos físicos aos peixes. O comprimento destas canaletas deve ser suficiente para um adequado lançamento dos peixes nos tanques e viveiros das piscigranjas e pesque-pagues ou nos tanques de recepção dos frigoríficos. A altura da canaleta deve acompanhar a altura da comporta de descarga, ou deve apresentar uma altura mínima de 25 cm. No ponto de acoplamento é adequada a colocação de anteparos laterais à canaleta, caso esta tenha altura menor que a altura da comporta de descarga. É importante que o fundo dos compartimentos dos tanques sejam inclinados o suficiente para permitir um escoamento total da água.
Equipamentos auxiliares
Os tanques podem ser providos de um sistema de aeração mecânico (agitadores de superfície de 12 volts), bastante úteis e eficientes no transporte de pequenas cargas a curta distância, permitindo reduzir o uso de oxigênio. Um sistema de circulação de água (bombas de água) auxilia na melhor distribuição do oxigênio no interior dos tanques e pode ser usado na aclimatação dos peixes antes do descarregamento.
A injeção de oxigênio é essencial nos transportes de longa duração e de grandes cargas de peixes. Cilindros de oxigênio comprimido ou líquido de diversos tamanhos são disponíveis no mercado. Para a injeção do oxigênio na água de transporte é essencial se dispor de um adequado equipamento de regulagem do fluxo e de difusão do gás. Manômetros e fluxômetros são usados na regulagem da quantidade de oxigênio aplicada nos tanques.
A qualidade dos difusores é fundamental para economia de oxigênio, segurança e sucesso no transporte. Diversos difusores vêm sendo usados em tanques de transporte, entre eles: mangueiras de borracha microperfuradas, pedras porosas de carborundum, difusores cerâmicos (vela de filtro de água), entre outros. De uma forma geral, quanto menor o tamanho das bolhas de oxigênio maior a eficiência de transferência do oxigênio para a água, portanto, melhor a eficiência no uso do oxigênio.
5. Procedimentos rotineiros para o transporte de peixes em tanques
1. Verificação dos equipamentos: manômetros e fluxômetros funcionando adequadamente e sempre que possível leve algumas unidades extras destes equipamentos; número suficiente de cilindros de oxigênio; verificar a carga de cada cilindro; mangueiras sem furos e difusores em boas condições (levar difusores extras dependendo do tipo de difusor usado); agitadores e circuladores de água funcionando; tampas dos compartimentos de transporte com boa vedação; comportas para descarga de peixes em bom funcionamento.
2. Carregar os tanques de transporte com água limpa e em temperatura igual ou no máximo entre 1 a 2 C abaixo da temperatura da água onde os peixes estão estocados; adicionar sal e outros produtos que se fizerem necessário; iniciar a injeção de oxigênio antes do início do carregamento dos peixes.
3. Proceder a pesagem e carregamento de forma rápida, porém gentil. Evite excessivo estresse e injúrias físicas aos peixes mantendo-os o mínimo tempo possível fora da água. É importante lembrar que os peixes não devem ser manipulados fora da água. O uso de balanças digitais do tipo plataforma, com dispositivo de tara automática, permite pesar os peixes na água, reduzindo as injúrias físicas e acelerando bastante a operação de pesagem. Também é fundamental que os peixes tenham sido submetidos a jejum. A aclimatação térmica à água de transporte é importante e pode ser feita antes do carregamento ou com os peixes já estocados nos tanques de transporte. Se aclimatação for feita com os peixes já carregados, lembre-se de adicionar os produtos condicionadores e/ou profiláticos somente após concluída a aclimatação.
4. Regular o fluxo de oxigênio antes de iniciar a viagem. O uso de um medidor de oxigênio dissolvido na água (oxímetro) é útil nesta hora. Quando do uso do oxímetro, o fluxo de oxigênio deve ser regulado para manter uma concentração inicial de oxigênio na água acima de 4 mg/L. Excessivo fluxo de oxigênio de nada ajuda no transporte. Bolhas de oxigênio atingindo a superfície da água significam perdas de oxigênio para atmosfera. Verifique se as tampas dos compartimentos dos tanques foram bem fechadas e siga viagem. As duas primeiras horas de transporte são críticas e devem receber maior atenção. O consumo de oxigênio neste período é acelerado, demandando uma regulagem alta no fluxo de oxigênio injetado nos tanques. Após este período o metabolismo dos peixes desacelera e o consumo de oxigênio reduz significativamente, sendo oportuno uma nova regulagem do fluxômetro nos tanques de transporte. A cada duas horas cheque a concentração de OD na água de transporte e ajuste o fluxômetro ou manômetro de modo a manter uma concentração de oxigênio entre 5 a 7mg/L. Monitore o consumo de oxigênio anotando, a cada checagem, a pressão indicada pelo manômetro.
5. Verificar a temperatura da água no local de entrega e, se necessário, igualar a temperatura da água de transporte antes de descarregar os peixes. Pós-larvas e micro alevinos não devem ser submetidos a choques térmicos maiores que 1oC. Peixes adultos podem ser estocados em águas com temperatura de até 2oC abaixo (nunca acima) da temperatura da água de transporte. Os peixes transportados em tanques com uso de oxigênio devem receber especial atenção no descarregamento quando a água de transporte está supersaturada em oxigênio e a temperatura da água no local de entrega é maior que a da água de transporte. Nestes casos a aclimatação é imprescindível. Um outro detalhe diz respeito à diferença entre o pH da água de transporte (geralmente en torno de 6,0) e a água onde os peixes serão descarregados. Diferenças maiores que 2 unidades de pH podem provocar estresse e massiva mortalidade, principalmente em peixes jovens (pós-larvas, alevinos e micro alevinos).
No caso do uso de sal (fortemente recomendado em operações de transporte), é de se esperar que a salinidade da água usada no transporte seja bem maior do que no local de entrega dos peixes. Esta diferença também deve ser minimizada durante a aclimatação.
Uma bomba de água propulsionada por um motor estacionário no próprio caminhão de transporte pode ser de grande utilidade para o ajuste da temperatura e dos demais parâmetros químicos da água (oxigênio dissolvido, pH e salinidade), considerando que muitos pesqueiros e piscigranjas não possuem bomba de água próxima ao local de descarga. O descarregamento dos peixes deve ser efetuado de forma rápida, mas gentil.
6. Previsão de gastos de oxigênio durante o transporte
A demanda por oxigênio é maior durante as primeiras horas do transporte devido a “Síndrome de Adaptação Geral” dos peixes em resposta ao estresse imposto pelo manuseio durante captura, pesagem, carregamento e confinamento nos tanques de transporte. Cerca de 50 a 70% do oxigênio gasto é aplicado durante as primeiras duas horas após o carregamento. Uma hora após o carregamento o consumo de oxigênio dos peixes começa a declinar até atingir um valor constante por volta de 4 horas de transporte. Este declínio do consumo de oxigênio pode ser explicado em parte pela atenuação da “Síndrome de Adaptação Geral”, bem como pelo efeito sedativo do gás carbônico que se acumula na água de transporte. Em transportes de 6 a 8 horas de duração em média cerca de 0,9m3 de oxigênio são gastos por hora para transportar uma tonelada de peixes. Em transporte mais longos/demorados, é de se esperar um menor gasto médio de oxigênio, pois o uso de oxigênio cai para 0,4 a 0,7m3/tonelada/hora após 3-4 horas de transporte.
Cerca de 1,3 a 1,7 m3 de oxigênio/tonelada/hora são gastos durante as primeiras 3-4 horas de transporte. Recomenda-se, por segurança, estimar a necessidade de oxigênio com base na expectativa de consumo de 1,7m3/hora/tonelada nas primeiras 4 horas e cerca de 0,7m3/tonelada/hora após as primeiras 4 horas de transporte, como ilustrado no exemplo a seguir:
EXEMPLO:
Para o transporte de 3 toneladas de pacu durante 18 horas, a uma temperatura de 25oC será utilizada uma carga de 500 kg de peixe/m3 de água. Uma renovação total da água será feita após 8 horas de transporte. O gasto de oxigênio esperado será:
a) nas primeiras 4 horas: (3ton x 1,7m3/ton x 4horas) = 20,4m3
b) a partir da 4 horas: (3ton x 0,7m3/ton x 14 horas) = 29,4m3
A expectativa de gasto de oxigênio para as 18 horas de transporte é da ordem de 50m3 (5 cilindros de 10m3 cheios). Por segurança, leve um cilindro extra.
Devemos lembrar que o uso de oxigênio depende de vários outros fatores, como: 1) temperatura da água; 2) qualidade do difusor usado; 3) depuração (jejum) dos peixes; 4) tamanho médio dos peixes transportados.
O uso de anestésicos previamente a pesagem e carregamento, além de minimizar o estresse sobre os peixes, pode reduzir consideravelmente o consumo de oxigênio nas primeiras horas, resultando em grande economia principalmente em transportes de curta duração.
7. Transporte de peixes em sacos plásticos
Pós-larvas, alevinos e peixes ornamentais de porte pequeno são comumente transportados em sacos de polietileno de dimensões variadas. A espessura do plástico deve variar de 0,1 a 0,2 mm. Alevinos avançados de algumas espécies de peixes apresentam raios duros e pontiagudos nas nadadeiras dorsais (tilápias, tucunarés, e outros ciclídeos) e nas nadadeiras peitorais (bagre-do-canal, mandis, surubins, pirarara) os quais podem perfurar as embalagens. Plástico mais espesso (até 1mm) ou embalagens duplas, juntamente com uma menor pressão de oxigênio reduzem os problemas de perfuração das embalagens no transporte destes peixes.
Cerca de 20 a 25% do volume da embalagem deve ser preenchido com água e 75 a 80% ocupado com oxigênio. Recomendações básicas de cargas no transporte de pós-larvas e alevinos de bagre-do-canal em sacos plásticos são apresentadas na Tabela 2. Na Tabela 4 é apresentada uma recomendação geral para transporte de alevinos de espécies tropicais como as tilápias, o pacu, o tambaqui e os híbridos entre estas últimas espécies (tambacu e paqui). Para as espécies do gênero Brycon (matrinxã, piraputanga e piracanjuba), um pouco mais sensíveis ao transporte, é recomendado o uso de apenas 70% da carga proposta na Tabela 4. Vale a pena relembrar a necessidade de submeter os alevinos a um jejum mínimo de 24 horas em água limpa antes do transporte. não é recomendável o transporte destes peixes a temperaturas acima de 28oC.
Após acondicionamento dos peixes e preenchimento com oxigênio, a embalagem deve ser bem fechada com tiras de borrachas, anéis de borracha ou elásticos para impedir a saída do oxigênio. A existência de furos nas embalagens deve ser cuidadosamente verificada. Embalagens defeituosas devem ser refeitas. Os cantos ou bicos das embalagens, onde os peixes costumeiramente ficam presos, podem ser eliminados com o uso de uma fita adesiva ou amarrando-se com tiras de borracha. Sacos plásticos com a base quadrada (sem bicos) têm sido bastante usados no transporte de peixes ornamentais, evitando o sufocamento/aprisionamento dos peixes nos cantos da embalagem.
Escurecimento e isolamento térmico.
O uso de embalagens escuras auxilia na redução do estresse durante o transporte. Sacos de lixo escuros, sacos de ração ou caixas de papelão ou isopor podem ajudar neste sentido. O acondicionamento dos sacos plásticos em caixas de papelão forradas com papel jornal ou em caixas de isopor também auxiliam na manutenção de uma temperatura constante da água durante o transporte. Algumas espécies de peixes necessitam ser transportadas em águas de baixa temperatura (como exemplo os salmonídeos), onde pedras de gelo podem ser colocadas sobre a embalagem dentro de caixas de isopor. Por ser mais leve que o gelo comum, o gelo seco é bastante usado em transportes aéreos para reduzir custos.
Recebimento e estocagem dos peixes.
Existem alguns cuidados a serem tomados no recebimento e descarregamento de peixes transportados em sacos plásticos, principalmente pós-larvas e alevinos. Após o recebimento dos sacos plástico estes devem ser colocados na água no local a serem soltos, preferencialmente na sombra, para a aclimatação. As embalagens devem ser abertas e a água do local misturada aos poucos com a água do saco plástico para que esta perca o excesso de oxigênio e tenha a sua temperatura e pH igualados às condições do tanque ou viveiro que será estocado. O choque térmico e/ou de pH podem causar altas mortalidades após o transporte. Os peixes dentro dos sacos plásticos estão submetidos a uma supersaturação de oxigênio. A transferência súbita destes peixes para uma água de temperatura mais elevada pode causar a “Síndrome da Bolha de Gás”, onde há formação de bolhas de oxigênio nos vasos sanguíneos causando mortalidade massiva de pós-larvas e alevinos após a estocagem.
Leia também:
- Parte 1: Transporte de Peixes Vivos – https://panoramadaaquicultura.com.br/transporte-de-peixes-vivos-parte-i/