Truta Arco-Íris: O Controle da Sexualidade

Estação Experimental de Salmonicultura “Dr. Ascânio de Faria”
Instituto de Pesca – SP – e-mail: [email protected]


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Acima: ovos fecundados(18 dias)
Meio: larvas recém eclodidas(30 dias)
Abaixo: larvas com 45 dias

A truta arco-íris, Oncorhynchus mykiss, é um peixe da família Salmonidae, natural da Costa Pacífica da América do Norte. Por apresentar excelentes condições para a piscicultura intensiva, encontra-se atualmente sendo cultivada em todas as águas frias do mundo, exceto no continente Antártico.

Em 1988, a Sociedade Americana de Pesca, recomendou o uso do nome genérico de Oncorhynchus para todos os salmões e trutas do Pacífico, ficando o nome genérico de Salmo, para todos os salmões e trutas do Atlântico. Desde então, a truta arco-íris e sua forma anádroma, a Steelhead, passaram a ser designadas de Oncorhynchus mykiss, em vez de Salmo gairdneri, ou Salmo irideus, como era comumente classificada.

Foi introduzida no Brasil em 1949, inicialmente nos rios das regiões serranas dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, que por apresentarem águas de baixa temperatura e topografia muito acidentada não possibilitam o desenvolvimento de espécies nativas de interesse econômico.

Por se tratar de uma espécie de alto valor comercial, muito se tem pesquisado em todo o mundo sobre os métodos para incrementar sua produtividade nos cultivos. Dentre as áreas pesquisadas, aquelas relacionadas com o controle dos sexos, mereceram muita atenção nos últimos anos. O controle da sexualidade em peixes tem grande interesse devido às diferenças apresentadas entre os sexos, que acabam por afetar a produção comercial. A maturação sexual, que está associada a alterações no metabolismo, resulta na diminuição do ganho de peso, perda da qualidade da carne e maior suscetibilidade a doenças. Em trutas, a maturação sexual ocorre mais precocemente nos machos. As fêmeas atingem a maturação somente aos 2 anos de idade enquanto os machos (cerca de 30%) amadurecem sexualmente no primeiro ano de vida. A maturação sexual portanto, limita a exploração de peixes de grande porte.

As técnicas desenvolvidas para o controle da sexualidade tem por objetivos principais a produção de lotes monossexos femininos e a produção de lotes estéreis. Embora várias técnicas tenham sido desenvolvidas com essa finalidade, somente algumas são, até o momento, viáveis do ponto de vista econômico, destacando-se a Reversão Sexual e a Manipulação dos Conjuntos Cromossômicos como as mais comumente praticadas.

Reversão Sexual

Nos salmonídeos o mecanismo de determinação sexual é similar ao dos humanos, onde as fêmeas são homogaméticas (XX), enquanto que os machos são heterogaméticos (XY).

Embora o sexo genotípico seja estabelecido no momento da fertilização do óvulo pelo espermatozóide, a diferenciação do sexo fenotípico ocorre em etapas posteriores do desenvolvimento. Nos salmonídeos a diferenciação sexual das gônadas ocorre entre 18 a 28 dias após a eclosão, a uma temperatura média de incubação de 11,5ºC, ou seja, entre 207ºC dias e 322ºC dias, no período que corresponde ao final da absorção do saco vitelínico e início da alimentação (período da transição entre a alimentação endógena e exógena).

Como os peixes são pecilotérmicos o seu desenvolvimento é estreitamente relacionado com a temperatura da água, portanto as medidas de tempo são dadas em unidades térmicas acumuladas (UTA) em graus Centígrados dias, isto é, a soma das temperaturas médias diárias da água.

A diferenciação sexual das gônadas é bastante lábil nesse estágio do desenvolvimento e a inversão sexual pode ser facilmente obtida através do fornecimento de estrógenos ou andrógenos na alimentação. A produção de lotes femininos pela técnica hormonal pode ser obtida de 2 modos:

Direta: pela administração de estrógenos (17 b-estradiol) provocando a feminização dos machos genotípicos.
Indireta: primeiro, pela masculinização de fêmeas genotípicas com andrógenos (17 a-metiltestosterona) e posterior fertilização de ovócitos normais com o sêmen de fêmeas masculinizadas.

Na via direta, todos os animais são submetidos ao tratamento hormonal, o que torna o método pouco praticável. Ainda, ocorre uma resistência por parte do consumidor em se alimentar de animais que receberam tratamento hormonal (embora sem fundamento) e, sobretudo porque a dosagem utilizada de 17 b-estradiol (20 mg/kg ração) apenas deprime o crescimento durante o período de tratamento.

A via indireta, embora mais demorada, pois envolve duas gerações, é a mais indicada, pois os peixes submetidos ao tratamento hormonal são em número reduzido e utilizados apenas como reprodutores. As fêmeas masculinizadas, embora apresentem fenótipo masculino são geneticamente femininas, produzindo espermatozóides que carreiam apenas cromossoma sexual X, que fertilizando ovócitos de fêmeas normais vão produzir descendentes todos femininos (sem contato prévio com hormônios).

Eficiência

Alguns fatores, entretanto, interferem na eficiência da rerversão sexual, tais como o tipo de hormônio, a dose empregada, a duração do tratamento, a via de administração e o período de início do tratamento. Para a masculinização de fêmeas de truta, o hormônio que tem demonstrado melhor eficiência é o andrógeno sintético 17a – metiltestosterona, administrado oralmente nas doses de 0.5 a 1.0 mg/kg ração, fornecida durante 60 a 90 dias a partir do início da alimentação exógena.

Quando o método está sendo implantado em uma piscicultura, o tratamento é conduzido com lotes que contém alevinos de ambos os sexos, portanto, torna-se necessária a identificação (na idade de reprodução) entre as fêmeas genotípicas masculinizadas pelo tratamento e os machos genotípicos, pois ambos são idênticos fenotipicamente.

O procedimento recomendado para a identificação das fêmeas genotípicas masculinizadas é o teste da progênie, que demanda tempo, portanto, na prática, durante a temporada de reprodução, o abate e a verificação das gônadas é um método bastante seguro.

Os testículos de fêmeas masculinizadas apresentam-se, geralmente, anatomicamente alterados, com conformação globular e às vezes com constrições no órgão. O ducto seminal nem sempre é funcional o que dificulta a retirada de sêmen por compressão abdominal. A utilização de testículos que apresentam tais características, acrescido do fato de apresentarem alguns ovócitos junto aos testículos, são parâmetros seguros para a identificação das fêmeas genotípicas que foram masculinizadas. Quando os ductos espermáticos não são funcionais, os testículos são macerados e utilizados para fertilizar ovócitos normais.

Em etapas posteriores, o tratamento de masculinização é praticado em alevinos 100% femininos, dispensando os procedimentos para a identificação desses machos. E ainda, o sêmen pode ser criopreservado de forma a ter um estoque de sêmen de fêmea para ser utilizado conforme a demanda.

Manipulação dos conjuntos cromossômicos

A manipulação dos cromossomas torna-se possível de ser realizada durante os ciclos nucleares da divisão celular devido a condensação e organização dos cromossomas nos fusos metafásicos para a locomoção. Em peixes essa manipulação compreende, basicamente, a adição ou a subtração de um conjunto completo haplóide ou diplóide, na meiose ou mitose, respectivamente.

Os peixes oferecem vantagens técnicas em relação aos vertebrados superiores por apresentarem um sistema biológico menos especializado, permitindo certas manipulações que são impraticáveis nos animais domésticos mais comumente utilizados. Algumas das facilidades são: fecundação externa, alta fecundidade e diferenciação sexual controlável.

Através da manipulação dos conjuntos cromossômicos é possível induzir os fenômenos de Poliploidização, Ginogênese e Androgênese.

A indução à poliploidia consiste na produção de indivíduos com número superior aos 2 conjuntos cromossômicos que caracterizam a condição diplóide normal. Experimentalmente em peixes podem ser produzidos indivíduos triplóides e tetraplóides.

A ginogênese consiste na produção de indivíduos que contém a informação genética apenas maternal. O ovócito é “fertilizado” por um espermatozóide que foi geneticamente inativado por radiação.

Esse fenômeno foi primeiramente descrito por HERTWIG, em 1911, em embriões de anfíbios, cujos espermatozóides tinham sido irradiados antes de fertilização, com raios gama. HERTWIG observou que tratando os espermatozóides com radiação gama havia um declínio da viabilidade dos embriões na medida do aumento da radiação, mas, após alcançar completa mortalidade ele notou que continuando a aumentar a radiação houve um aumento da sobrevivência dos embriões. Este efeito paradoxal ou efeito HERTWIG foi explicado posteriormente. Doses elevadas de radiação eliminaram o material genético do espermatozóide sem comprometer sua capacidade de ativar o ovo, que se desenvolvia com o material genético apenas maternal.

Os embriões ginogenéticos eram portanto haplóides e apresentavam uma anormalidade acentuada ao eclodir. Posteriormente, esses embriões ginogenéticos passaram a sobreviver após o estabelecimento da condição diplóide, empregando-se tratamentos que serão detalhados na indução de triploidia.

Essa técnica foi bastante explorada como um método para acelerar o “inbreeding” nos programas de melhoramento genético e também nos estudos de determinação sexual em peixes.

Em trutas os peixes ginogenéticos são fêmeas, entretanto, a ginogênese não é recomendada para a produção de lotes 100% femininos, devido a baixa sobrevivência obtida nesta técnica.

A androgênese consiste na obtenção de indivíduos com informação genética apenas paternal. O ovócito é irradiado e fertilizado com espermatozóide normal e a diploidização é obtida impedindo-se a 1a divisão mitótica (1a clivagem) que ocorre de 300 a 390 minutos após a fertilização a 10 ºC.

Os trabalhos de indução à poliploidia estão direcionados para a obtenção da triploidia como técnica de castração em peixes, pois esta condição está associada a esterilidade reprodutiva. Esta esterilidade é atribuída à presença do 3o conjunto de cromossomas, que provocaria a interrupção na meiose I na gametogênese, resultando em diferentes níveis de supressão do desenvolvimento gonadal (dependendo da espécie e do sexo).

A incapacidade de reproduzir dos triplóides tem sido considerada uma boa alternativa para as espécies em que a reprodução deve ser controlada, como exemplo nos cultivos de tilápia e nos casos de introdução de espécies exóticas nos ambientes naturais e em peixes trangênicos.

Para os salmonídeos a esterilidade seria desejável para evitar a degradação física e a susceptibilidade às doenças que estão relacionadas com a maturação sexual. Um benefício está na continuidade do crescimento durante o período reprodutivo, já que a energia para a reprodução será canalizada para o crescimento corpóreo. A produção de indivíduos triplóides pode ser obtida através de duas estratégias:

Direta: consiste na indução da triploidia, diretamente nos ovos, por tratamento físico ou químico, administrado logo após a fertilização.
Indireta: obtenção de reprodutores tetraplóides e posterior cruzamento com indivíduos diplóides. Esta via, em peixes, é pouco recomendada pois a sobrevivência dos indivíduos tetraplóides é bastante reduzida.

A triploidia induzida pela via direta é obtida submetendo-se os ovos recém fertilizados a um tratamento que impede a expulsão do 2o corpúsculo polar, retendo no ovo dois conjuntos cromossômicos maternos, resultando em um zigoto triplóide.

Na meiose dos gametas femininos, a formação do primeiro corpúsculo polar ocorre durante a fase de maturação final dos ovócitos, poucos dias antes da ovulação. Após a desova, quando o ovo é ativado, a meiose é retomada e ocorre a formação do 2o corpúsculo polar.

Para a divisão reducional, isto é, a expulsão do corpúsculo polar, os cromossomas se organizam nos fusos de maneira semelhante à divisão mitótica. O tratamento para indução à triploidia provoca a despolimerização da tubulina que compõem os microtúbulos do fuso, impedindo a disjunção dos cromossomas.

Para a desorganização dos fusos, podem ser utilizados tratamentos físicos (choque de temperatura e de pressão hidrostática) ou químicos (colchicina).

Os choques de temperatura são os mais praticados, por não requererem nenhum aparelho especializado e alcançarem elevadas taxas de triploidização (>80%) e maior sobrevivência dos indivíduos tratados.

Interação dos Parâmetros para Melhorar a Taxa de Triploidização

– qualidade dos produtos sexuais
– intensidade do choque (28ºC)
– diferencial térmico (18ºC)
– duração do tratamento (de 15 a 20 minutos)
– início do tratamento (10 minutos decorridos da ativação)

É preciso salientar que o tempo para iniciar o tratamento é cronometrado a partir da ativação do ovo (hidratação) e não da mistura com o sêmen. A fertilização por si só não é capaz de ativar o ovócito, isto é, é preciso o ovo entrar em contato com água (hidratação – choque osmótico) para que a meiose seja desbloqueada.

Em trutas fêmeas, como a gametogênese ocorre nos estágios iniciais do desenvolvimento, isto é, as células da linhagem germinativa entram em meiose logo no início da vida, a supressão da gônada é total, enquanto que nos machos a espermatogênese ocorre em fases posteriores do desenvolvimento, ou seja, os machos desenvolvem testículos, produzem hormônios sexuais e portanto apresentam as características masculinas indesejáveis do ponto de vista comercial, além do crescimento comprometido. Portanto, a indução da triploidia deve ser praticada em lotes monossexos femininos, isto é, pela associação das técnicas de reversão sexual e da manipulação cromossômica.

Uma das dificuldades da técnica de triploidização consiste no reconhecimento dos triplóides já que são fenotipicamente idênticos aos diplóides e a técnica não resulta em 100% de eficiência.

Como o tamanho das células tem uma relação direta com o número de ploidia, a medida do eritrócito tem sido utilizada com bastante eficácia na identificação de triplóides ( comprimento do eixo maior do eritrócito nos diplóides = 16mm e nos triplóides = 20mm ).

Técnicas como a cariotipagem, contagem de nucléolos, e a medida da quantidade de DNA (citometria de fluxo) do núcleo celular, também são utilizadas, no entanto, demandam tempo, equipamentos e mão de obra especializados.

A desvantagem do método da medida do eritrócito é que o animal deve ter o tamanho mínimo compatível com a coleta de sangue.

Conclusão

Estas técnicas são bastante simples de serem aplicadas, entretanto, os resultados a serem obtidos serão tanto melhores quanto mais bem estabelecidas estiverem as técnicas de manejo de produção rotineiras da piscicultura, somadas aos trabalhos de seleção (melhoramento).