Novo laboratório para a produção de Macrobrachium rosenbergii está sendo construído no Município de Maripá
Por:
Eduardo Luis Cupertino Ballester | Ph.D. – [email protected]
Laboratório de Carcinicultura da UFPR – Palotina, PR
Fabrício Martins Dutra | M. Sc. – [email protected]
Laboratório de Carcinicultura da UFPR – Palotina, PR
O cultivo do camarão de água doce é uma das atividades mais importantes no ramo da carcinicultura de muitos países. Segundo a FAO (2015), a produção mundial da carcinicultura de água doce, em 2013, foi de 571.152 toneladas, avaliada em US$ 3 bilhões. No Brasil, a atividade foi iniciada no final da década de 70, através da introdução da espécie Macrobrachium rosenbergii por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Esta atividade teve seu ápice no início da década de 90, quando o país chegou a figurar entre os principais produtores mundiais. Entretanto, a partir de 1995, a atividade entrou em declínio e atualmente encontra-se estagnada.
Para estimular a atividade produtiva de camarão de água doce M. rosenbergii, na região oeste do Paraná, a Universidade Federal do Paraná – Setor Palotina (UFPR), vem desenvolvendo desde 2010 um projeto que, ao longo destes quase seis anos de operação, já atendeu cerca de 25 produtores de diferentes municípios da região, entre eles Palotina, Nova Santa Rosa, Maripá, Marechal Cândido Rondon, Terra Roxa, Francisco Alves e Brasilândia. Esses produtores contam com assessoria técnica em todas as etapas da produção, bem como, com capacitações anuais através de cursos de extensão e palestras ministradas pela equipe da UFPR.
O s produtores no oeste do Paraná cultivam o M. rosenbergii tanto em sistema de monocultivo, onde apenas os camarões são produzidos nos viveiros, como também em policultivo com tilápias, o principal peixe produzido e comercializado na região. Os resultados alcançados no monocultivo mostram que desde o início do projeto, a produtividade média evoluiu de valores equivalentes a 1,5 ton/ha/ciclo para até 2,2 ton/ha/ciclo. Os melhores resultados atingidos são frutos do aperfeiçoamento no manejo através do uso de substratos artificiais e estocagem de juvenis provenientes de berçários, ao invés de estocagem direta de pós-larvas. Os viveiros utilizados nestes sistemas medem de 1.000 a 2.000 m2 e os camarões produzidos pesam de 25 a 35 gramas, quando então são comercializados diretamente pelos produtores.
O ciclo produtivo do camarão na região tem duração de seis a oito meses, sendo realizado apenas um ciclo anual pelo fato desses municípios se encontrarem em uma região de transição do clima subtropical para o temperado, apresentando duas estações bem demarcadas, com verões quentes (>22 °C) e invernos frios ou amenos (<18 °C), com geadas ocorrendo entre fim de maio a início de setembro, que inviabilizam a produção de camarão neste período. Desta forma, os animais são estocados entre setembro e maio em virtude da temperatura nesse período se apresentar de acordo com a faixa ideal para os camarões (23 a 28 °C). No sistema de monocultivo a recomendação é que os camarões sejam estocados em densidades de 8 a 10 camarões/m², em viveiros de terra devidamente preparados através da exposição ao sol (2 a 4 dias) e calagem (cal virgem – 100 gr/m² e calcário dolomítico 200 a 300 gr/m²) e fertilizados com adubos orgânicos ou químicos.
Tipo de fertilização Quantidade (m²)
Orgânica (Esterco bovino curtido) 300 gr/m²
Orgânica (Esterco aves e suínos curtido) 150 gr/m²
Químico (Superfosfato simples) 7,5 gr/m²
Químico (Superfosfato triplo) 2,5 gr/m²
Químico (Sulfato de amônio) 13 gr/m²
Químico (Ureia) 4 gr/m²
Já no sistema de policultivo os resultados produtivos são equivalentes a produções de 600 a 700 kg/ha/ciclo, sem que haja interferência na produção da tilápia. Na verdade este foi um fator determinante para estimular a participação de muitos produtores, tendo em vista que após a estocagem com os peixes o manejo de produção é idêntico ao do monocultivo não necessitando de maiores adaptações pelo produtor. Nessa produção simultânea, as tilápias são estocadas em densidades de aproximadamente 3 a 5 peixes/m² e os camarões de 2 até 6 camarões/m², em viveiros que variam em tamanho de 2.000 a 4.000 m2.
Tem sido observado consistentemente nos sistemas de policultivo que as tilápias apresentam crescimento de 10 a 15% superior em relação aos peixes cultivados nos sistemas de monocultivo empregados pelos piscicultores da região. Atribuímos estes resultados não apenas à presença dos camarões, mas também por alguns cuidados importantes que são recomendados aos produtores durante os cursos de extensão ou nas visitas técnicas feitas pela equipe do projeto. Entre estas recomendações simples, porém valiosas, destacamos as seguintes:
– Avaliar o estado do fundo dos viveiros quanto ao excesso de matéria orgânica acumulada, um fato que é constatado com bastante frequência;
– Utilizar probióticos, pois auxiliam na redução desta matéria orgânica de forma eficiente e com baixo custo. Como os camarões são animais bentônicos, o excesso de matéria orgânica pode prejudicar muito o seu desenvolvimento, como também a qualidade da água, a qual tanto os camarões quanto os peixes estão expostos;
– Estocar os camarões até no máximo sete dias após o enchimento dos viveiros. Isto evita a proliferação de larvas de insetos, principalmente das odonatas, que são um eficaz predador das pós-larvas de camarão;
– Estocar os camarões ao menos 15 dias antes dos peixes, para que estes dominem o fundo do viveiro e diminuam os encontros agonísticos entre peixes e crustáceos;
– Estocar tilápias com pesos até 60 gramas;
– Estocar as pós-larvas de camarão de preferência em um berçário, até que se transformem em juvenis com peso de 0,2 a 0,5 gramas.
Seguindo estas medidas a produção de peixes e tilápias pode ser desenvolvida por um período de seis a oito meses, quando ambos os organ ismos atingem seu peso ideal para o abate, que para os camarões é de aproximadamente 30 gramas e para as tilápias de 650 a 700 gramas. Também é muito importante que o abate dos camarões seja feito rapidamente com gelo em uma proporção de 1,4 kg de gelo para cada quilo de camarão abatido. Isto garante a qualidade da carne dos camarões, evitando a perda da textura caso o abate seja feito de forma lenta e inadequada.
Em relação ao mercado, tendo em vista que a produção local ainda é pequena, a sua avaliação fica um pouco prejudicada. O fato é que os produtores comercializam diretamente o camarão ao público consumidor de forma muito rápida e a preços que variam de R$ 25,00 até R$ 70,00 o quilo, o que torna o produto bastante atrativo. Alguns produtores anunciam nas rádios locais e no mesmo dia das despescas vendem praticamente todo o produto. Durante este curto período em que estamos desenvolvendo o projeto, alguns abatedouros da região buscaram informações a respeito da produção. Porém, devido ao pequeno volume produzido, a viabilidade econômica para a construção de um abatedouro não pôde ser avaliada. Por outro lado, tendo em vista a baixa margem de lucro que o tilapicultor tem, o policultivo pode ser uma ótima alternativa para viabilizar a atividade, ainda mais considerando que o custo empregado para a produção dos camarões no policultivo é praticamente apenas o da aquisição das pós-larvas. Além disso, um recente estudo desenvolvido pelos alunos da CRIATEC, empresa júnior da UFPR, junto a sete peixarias em três municípios da região (Toledo, Cascavel e Foz do Iguaçu), apontou que são comercializados aproximadamente 4.700 quilos de camarão por mês, sendo que o produto mais comercializado são camarões marinhos trazidos do litoral. Entretanto, os proprietários das peixarias mencionaram que já tiveram oportunidade de comercializar camarões de água doce e que só não o fazem com mais frequência pela falta do produto.
Principais dificuldades para o avanço do projeto
Um grande gargalo para o sistema de produção da carcinicultura de água doce, ainda é a obtenção de pós-larvas (PLs). Atualmente as PLs que abastecem os cultivos da região são adquiridas de um laboratório comercial localizado no Estado do Rio de Janeiro. Portanto, o transporte destas pós-larvas é considerado uma das etapas mais delicadas para o sucesso dos cultivos. A UFPR tem apoiado a atividade na região através da viabilização do transporte e, em alguns casos, a fase de berçário é realizada nas dependências do Laboratório de Carcinicultura da universidade para, os então juvenis, serem repassados para os sistemas de engorda, o que tem auxiliado no aumento da sobrevivência e produtividade dos cultivos.
Além do projeto de extensão, o Laboratório de Carcinicultura da UFPR com o apoio da UNESP Jaboticabal – SP também está desenvolvendo projetos de pesquisa com a espécie nativa Macrobrachium amazonicum nas áreas de nutrição, toxicidade a compostos nitrogenados e manejo em sistema de bioflocos. Nestes projetos estão envolvidos os alunos dos cursos de Engenharia em Aquicultura, Ciências Biológicas, Biotecnologia e pós-graduandos do programa de Pós-Graduação em Aquicultura e Desenvolvimento Sustentável e, do programa de Pós-Graduação em Zoologia da UFPR.
Paralelamente ao projeto de produção, existe também um projeto de aproveitamento de resíduos da aquicultura, coordenado pelo professor Helton Alves, que utiliza a carapaça dos camarões abatidos para a extração de quitina, já que este biopolímero representa de 15 a 20% da biomassa descartada. A partir da quitina é produzida a quitosana que já foi empregada em vários trabalhos de pesquisa desenvolvidos no Laboratório de Catálise e Produção de Biocombustíveis da UFPR/Setor Palotina, com enfoque nos seguintes temas: catalisadores heterogêneos para a produção de biodiesel; filtro para remoção de amônia em tanques de peixes; membranas para células e combustível; substratos para células solares e, liberação controlada de fármacos. Além da aplicação propriamente dita do produto, este é um projeto muito importante do ponto de vista da sustentabilidade da carcinicultura, pois proporciona o aproveitamento de um subproduto que poderia estar sendo descartado de forma inadequada, prejudicando o meio ambiente.
Novo laboratório de pós-larvas
Atualmente, através do apoio da Empresa Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) na chamada Rede Nacional de Pesquisa em Carcinicultura (RECARCINA), a UFPR junto com a UFRN, UFAL e UFRB estão trabalhando em rede para o desenvolvimento da carcinicultura de água doce no Brasil, no projeto PROJCAM. Dentro das atividades desta rede foi dado o início da construção de um novo prédio para o Laboratório de Carcinicultura da UFPR, no município de Maripá, PR. Esta construção também conta com o apoio da Prefeitura de Maripá e com aporte de verba própria da UFPR. Com a implementação e o pleno funcionamento do novo prédio do Laboratório de Carcinicultura na região, a produção das pós-larvas de Macrobrachium será realizada localmente, possibilitando, desta forma, a ampliação do projeto e a acessibilidade aos produtores na obtenção e aquisição de PLs.
Na área onde será construído o novo prédio do laboratório também estão sendo instalados 26 tanques escavados, que possibilitarão a realização de estudos em escala comercial, com resultados aplicáveis a curto prazo no setor produtivo. Está prevista ainda a instalação de um frigorífico-escola, além de outro prédio para o desenvolvimento de pesquisa e extensão nas áreas de piscicultura e ranicultura. Com a consolidação desta estrutura pretende-se ampliar as atividades de pesquisa e extensão, não só na área de carcinicultura, mas também em projetos de piscicultura e ranicultura, criando ótimas condições para a formação de alunos de graduação e pós-graduação da UFPR.