Uso de fitogênicos e acidificantes para prevenção de surtos de doenças em tilápias

A cada ano a piscicultura ganha mais espaço, sendo a tilápia o carro-chefe no país. Assim como a produção de outras espécies de animais, como por exemplo, suínos e aves, a criação da tilápia é realizada de forma intensiva, com elevada densidade animal, seja em tanques-rede, em águas dos reservatórios, ou em tanques escavados. Este tipo de sistema de produção intensivo por si só resulta em estresse que, aliado à falta de mão de obra qualificada, baixa concentração de oxigênio, extremos de temperatura da água, baixa qualidade da água, genética dos animais, falhas na nutrição e presença de patógenos, pode resultar no surgimento de surtos de doenças, que causam mortalidade e grandes perdas econômicas.


Ulisses de Pádua Pereira 
| [email protected]
Professor Adjunto da Universidade Estadual de Londrina – UEL
Departamento de Medicina Veterinária Preventiva
Coordenador do Laboratório de Bacteriologia em Peixes (LABBEP)  – UEL


Raffaella Menegheti Mainardi | [email protected]
Aluna de mestrado em Ciência Animal da Universidade Estadual de Londrina – UEL


Eveline Bueno Alves| [email protected]
Coordenadora de P&D e Marketing da Salus


Quando ocorrem surtos com elevada mortalidade, o uso de antibacterianos como tratamento emergencial via ração é rotineiramente empregado. Contudo, existem algumas limitações como o elevado custo deste tipo de tratamento e a resistência ao antibiótico utilizado que o patógeno bacteriano pode apresentar. Além disso, outro fator que dificulta este tipo de tratamento é a redução no consumo de ração pelos animais doentes, que não consomem o antibacteriano presente na ração. Diante deste cenário, todos os cuidados devem ser tomados para minimizar os fatores predisponentes ao estresse dos animais. Em alguns casos, o controle do ambiente de criação é limitado, principalmente nos tanques-rede, onde é difícil controlar parâmetros de qualidade e a temperatura da água.

Além de treinamentos frequentes para evitar falhas de manejo, é necessário escolher uma boa genética dos animais; adquirir alevinos/juvenis de fornecedores que monitorem com testes laboratoriais seus animais para garantir a ausência de patógenos (por exemplo, Streptococcus spp. e Francisella spp.); fazer a nutrição adequada; e realizar medidas de prevenção de entrada ou dispersão de doenças para minimizar os prejuízos causados por diferentes doenças, que podem estar presentes, mesmo que na forma subclínica (forma “silenciosa”, com mortalidades próximas da normalidade). Estas formas subclínicas de diferentes doenças já foram descritas para estreptococos e francisela, resultando em prejuízos não somente pela mortalidade (que geralmente é o que “salta aos olhos” dos envolvidos na atividade), mas também causam prejuízos por piorar ou atrasar o crescimento dos animais. Com isso, estimular a saúde dos animais é de extrema importância, e é isso que suplementos ou aditivos alimentares podem promover.

Com eficácia comprovada, esses aditivos são valiosas ferramentas de prevenção de surtos de doenças e devem ser utilizados nos principais períodos críticos da produção de peixes, como por exemplo, 15 ou mais dias antes da vacinação ou manejo, inverno rigoroso, verões intensos ou em situações onde a densidade animal é muito elevada.

A Salus, em parceria com a MixScience, está sempre em busca de novas tecnologias para proporcionar maior lucratividade ao produtor e, por isso, possui uma linha de produtos, na qual se destacam o A-live e o Aquaform, que auxiliam na prevenção de surtos de doenças na aquicultura. Ambos foram avaliados em experimentos em parceria com o Laboratório de Bacteriologia em Peixe (LABBEP), da Universidade Estadual de Londrina (UEL), coordenado pelo Prof. Ulisses de Pádua Pereira. O A-live é um produto à base de extratos vegetais, que melhora o aproveitamento dos nutrientes pelo animal e estimula a imunidade dos peixes. Já o Aquaform é um ácido orgânico que reduz o pH no trato digestório, promovendo assim um ambiente desfavorável para bactérias patogênicas, principalmente bactérias Gram negativas, como a Francisella noatunensis subsp. orientalis, que causa a franciselose, uma das doenças que mais preocupa a produção de tilápias no país nos últimos sete anos. Ainda não existe vacina comercialmente disponível para franciselose e o tratamento desta doença envolve altas dosagens de antibacterianos e a administração desses por muito tempo.

Primeiramente foi realizado um ensaio de visualização de Francisella spp. por microscopia eletrônica, quando exposta aos produtos. Este método visa avaliar os possíveis danos causados ​​pelos produtos à bactéria. Após a exposição do patógeno aos produtos, por 30 minutos, observou-se uma diminuição do número de células de Francisella na presença de Aquaform e A-live separadamente. Nas placas contendo o produto A-live, observou-se um pequeno número de células bacterianas quando comparado às placas com presença do Aquaform, sugerindo que o A-live possa ter um potencial maior para danos a células de Francisella spp. (Figura 1).

Figura 1. Visualização da morfologia por microscopia eletrônica da linhagem Francisella spp. após 30 minutos de exposição a diferentes concentrações de produtos. CN: controle negativo – sem aditivo, AQ: Aquaform, AL: A-live
Figura 1. Visualização da morfologia por microscopia eletrônica da linhagem Francisella spp. após 30 minutos de exposição a diferentes concentrações de produtos. CN: controle negativo – sem aditivo, AQ: Aquaform, AL: A-live

Adicionalmente, combinações de Aquaform e A-live, em concentração de 0,1% (de ambos os produtos), mostraram a redução do número de células de Francisella spp. e foi possível observar a presença de grande quantidade de fragmentos de células destruídas. A concentração de 1% da combinação de dois produtos mostrou uma redução ainda maior do número de células (Figura 2).

Figura 2. Visualização da morfologia por microscopia eletrônica da cepa Francisella spp. após 30 minutos de exposição à combinação dos dois produtos. CN: controle negativo – sem aditivo, AQ/AL: associação de A-live e Aquaform
Figura 2. Visualização da morfologia por microscopia eletrônica da cepa Francisella spp. após 30 minutos de exposição à combinação dos dois produtos. CN: controle negativo – sem aditivo, AQ/AL: associação de A-live e Aquaform

Durante o experimento com os produtos, os animais foram alimentados com ração comercial com granulometria de 2,6 mm e teor de proteína bruta igual a 36%. A inclusão dos aditivos nas rações seguiu duas etapas: 1 – pulverização do produto diluído em água na ração comercial e mistura; 2 – adição do veículo universal não oleoso (produto à base de carboximetilcelulose), evitando assim uma rápida dispersão dos produtos na água. Foram avaliados cinco tratamentos; em alguns deles, os peixes passaram por um desafio com inoculação de Francisella spp., 15 dias após o fornecimento dos produtos, para verificar a atuação dos aditivos como forma de prevenção à ação dos patógenos. Os produtos foram testados separadamente e em associação, de acordo com os tratamentos demonstrados na (Tabela 1).

Tabela 1. Descrição dos tratamentos experimentais utilizados para avaliação dos aditivos A-live e Aquaform
Tabela 1. Descrição dos tratamentos experimentais utilizados para avaliação dos aditivos A-live e Aquaform

Os parâmetros da água (pH de 6,8 a 7,2, amônia total <0,4 mg/L, e ausência de cloro) foram medidos e mantidos durante todo o período experimental. A presença de oxigênio foi mantida por dois aeradores, resultando em oxigênio dissolvido de 5,4 mg/L em média.

Após a avaliação dos dados, foi possível verificar que os grupos G2 e G3, que incluíam A-live e Aquaform em associação, apresentaram melhor taxa de conversão alimentar (TCA) e taxa de crescimento específico (TCE) do que os grupos que não receberam os produtos na ração (CN e CP) (Tabela 2). Vale lembrar que, em estudos prévios com o produto A-live utilizado sozinho e em maior dosagem (5 kg/ton), os resultados de desempenho zootécnico foram melhorados significativamente (dados não demonstrados). Após a infecção por Francisella spp., o esperado era que os peixes parassem de comer e começassem a ocorrer lesões de rim cranial, baço e posterior mortalidade. O grupo CN, por não ter sido infectado pelo patógeno Francisella spp., não demonstrou redução no consumo de ração e obteve bons resultados quanto aos parâmetros de crescimento. Infelizmente essa realidade não faz parte do dia-a-dia da piscicultura brasileira, uma vez que surtos de doenças são observados com frequência em situações de fazendas.

Tabela 2. Desempenho do crescimento das tilápias em diferentes tratamentos antes e após o desafio experimental com Francisella spp. linhagem F1
Tabela 2. Desempenho do crescimento das tilápias em diferentes tratamentos antes e após o desafio experimental com Francisella spp. linhagem F1

Foi possível observar efeito dos produtos sobre a mortalidade dos peixes após a inoculação com Francisella spp.. Os grupos CP, G1, G2 e G3 apresentaram mortalidade de 52, 13, 17 e 13%, respectivamente (Figura 3). Foi possível observar diferença estatística (Teste exato de Fisher, P < 0,05) dos grupos G1, G2 e G3 quando comparado ao grupo CP. Além de reduzir a mortalidade os produtos também foram eficientes em aumentar a proteção dos animais contra a franciselose.

Figura 3. Mortalidade acumulativa observada nos diferentes grupos após desafio experimental por imersão com Francisella spp.
Figura 3. Mortalidade acumulativa observada nos diferentes grupos após desafio experimental por imersão com Francisella spp.

Os aditivos, quando utilizados em associação, resultaram em melhor desempenho no crescimento das tilápias e reduziram satisfatoriamente os sinais clínicos, lesões e mortalidade causada pela bactéria Francisella noatunensis subsp. orientalis. O produto A-live, mesmo quando utilizado sozinho, em dosagem baixa (0,2%), foi capaz de reduzir significativamente a mortalidade dos peixes com franciselose, apesar de não ter melhorado os parâmetros zootécnicos, como por exemplo, ganho de peso e conversão alimentar.

Por fim, é possível concluir que os produtos testados são ferramentas eficazes para reduzir os prejuízos ocasionados pela franciselose, reduzindo a mortalidade. Adicionalmente, os produtos resultaram em incrementos em parâmetros zootécnicos, o que viabiliza financeiramente o seu uso, uma vez que melhoram os rendimentos do produtor. Os produtos A-live e Aquaform estão disponíveis no mercado brasileiro e são utilizados tanto na produção de peixes quanto de camarões.

Sobre o LABBEP

O Laboratório de Bacteriologia em Peixes (LABBEP) da Universidade Estadual de Londrina (UEL) surgiu em 2015, sob a coordenação do Prof. Ulisses de Pádua Pereira. O LABBEP foi o primeiro laboratório do Paraná a fazer o diagnóstico por isolamento da bactéria Francisella spp. na região, a famosa bactéria que causa a franciselose na tilápia. Adicionalmente, recebe peixes de todas as regiões do país para diagnóstico de doenças. Graças a parcerias com empresas, o LABBEP possui uma estrutura completa para testes de produtos para peixes, como foi feito com os produtos A-live e Aquaform, que apresentaram excelentes resultados no desempenho zootécnico e resistência contra a franciselose.