Por: Jomar Carvalho Filho
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Pela segunda vez o Brasil teve o privilégio de receber a Conferência Anual da Sociedade Mundial de Aquicultura – WAS 2011, que aconteceu de 6 a 10 de junho em Natal, no Rio Grande do Norte. Dessa vez o evento internacional aconteceu em conjunto com a VIII Fenacam, o tradicional evento da aquicultura brasileira, que é realizado anualmente pela Associação Brasileira de Criadores de Camarão – ABCC . Com o tema “Aquicultura para um mundo em mudanças”, o evento atraiu 4.290 participantes, brasileiros e estrangeiros, de todos os setores da aquicultura, que representaram mais de 65 países, e que acabaram por contribuir para uma mega seção de pôster, onde 998 trabalhos foram expostos ao longo dos quatro dias desse evento múltiplo, que contou ainda com 50 sessões especiais distribuídas simultaneamente em 12 salas.
Último encontro de Ideli com o setor
A cerimônia de abertura manteve o padrão que os organizadores da Fenacam repetem todos os anos, marcado pela presença excessiva de políticos potiguares. O destaque, porém, foi Ideli Salvatti, que viveu ali o seu grande e também último encontro com o setor aquícola ao longo da sua curta gestão à frente do Ministério da Pesca e Aquicultura – MPA. Como se sabe, dois dias depois do seu pronunciamento na abertura da WAS/Fenacam 2011, Ideli deixou o MPA, numa troca de ministros arquitetada pela Presidente Dilma, que a levou para o Ministério das Relações Institucionais, trazendo o ocupante desta pasta, Luiz Sérgio Nóbrega de Oliveira, para ocupar a Pesca e Aquicultura.
Ideli não parecia antever as mudanças que lhe esperava e, ao contrário, transpareceu estar absolutamente fascinada com a sua missão a frente do MPA. Afirmou que a meta que tinha pela frente lhe parecia muito clara: “acelerar o barco e trabalhar duro para aumentar a produção e o consumo dessa proteína altamente saudável e saborosa”. Disse ainda estar convicta de que “quanto mais peixes, crustáceos e moluscos produzirmos, o pescado chegará com mais frequência à mesa das nossas crianças, adultos e idosos, e irá gerar mais divisas para o nosso país”. Enfatizou, contudo, que para isso acontecer “é preciso destravar tudo que emperra e impede os aquicultores brasileiros de fazer o que sabem fazer bem”. Ideli parecia saber muito bem do que estava falando ao comentar a luta que estava travando para reduzir a burocracia na liberação das licenças ambientais no mar, rios e represas, e reiterou sua disposição de intensificar sua agenda junto aos estados, lembrando, porém, que estava encontrando uma boa receptividade para dar celeridade ao licenciamento ambiental e simplificar os trâmites burocráticos. Ideli disse ainda ter constatado que existe a necessidade de mais integração, diálogo e transparência nas ações entre o setor, prefeituras, governos estaduais e governo federal. Dentre as suas preocupações, a então ministra destacou a necessidade de capacitar e qualificar os produtores brasileiros, e também de oferecer a eles todas as condições para que possam ter o acesso ao crédito. Dirigindo-se aos inúmeros pesquisadores presentes, reconheceu a necessidade de mais pesquisas científicas na busca de novas tecnologias “para que a aquicultura continue crescendo, promovendo a inclusão social, respeitando o meio ambiente e assegurando condições favoráveis ao desenvolvimento sócio econômico da atividade”.
Um setor que se consolida
Outro pronunciamento muito esperado foi o de Itamar de Paiva Rocha, presidente da ABCC e também presidente do Comitê Organizador do WAS/Fenacam 2011. Itamar iniciou seu pronunciamento fazendo uma justa e carinhosa homenagem ao professor Walter Maia, uma das pessoas mais queridas do setor aquícola brasileiro, responsável, nos últimos anos, pela agenda científica dos eventos da Fenacam. Este ano Walter Maia não pode fazer parte da organização por estar se recuperando de complicações pós-cirúrgicas.
Itamar falou da reativação do crescimento da produção aquícola que, segundo ele “é uma realidade consolidada no Brasil, com destaque para a tilapicultura e a carcinicultura, que mesmo enfrentando um longo e injustificado período sem concessão de Licenças Ambientais e, naturalmente, sem financiamentos para novos investimentos ou custeio da produção, cresceram significativamente em 2010”.
Segundo Itamar, o Brasil conta com uma tecnologia de produção sustentável que foi consolidada e adaptada às nossas condições, “o que significa dizer, que se trata de um patrimônio nacional de especial valor, com técnicas de maturação e larvicultura bem desenvolvidas e disseminadas entre as empresas especializadas, que dispõem de capacidade instalada para abastecer a demanda nacional de pós-larvas e alevinos”. Ainda segundo Itamar, o modelo de produção, do ponto de vista tecnológico, está disponível para a nova arrancada do setor, que se encontra em plena marcha. No caso específico da carcinicultura, lembrou que “estamos oferecendo ao mercado brasileiro um produto com a mesma qualidade daquele que, até bem pouco tempo, destinávamos aos países desenvolvidos e principais importadores e consumidores de camarão do mundo”.
Para Itamar são muitos os desafios que exigem uma atenção especial do setor. Um deles é a inclusão social, com a incorporação do pequeno produtor à atividade, que deverá contar com o apoio de políticas públicas federais e estaduais e com incentivos que estimulem e facilitem a materialização desse objetivo. Outro desafio diz respeito a interiorização da carcinicultura com o camarão L. vannamei, que se adaptou bem às águas dos inúmeros reservatórios e rios perenes existentes e distribuídos no interior de toda a Região Nordeste, abrindo, dessa forma, uma nova e importante expectativa para a geração de renda e emprego em suas áreas interioranas.
Itamar lembrou também que o novo Código Florestal em discussão no Congresso Nacional passa agora a ser um novo aliado, por conter propostas do setor que podem contribuir para romper os obstáculos que se interpõem ao desenvolvimento de projetos no setor da aquicultura, com destaque para a inclusão das definições de “salgados e apicuns” nas denominações da Lei, bem como a exclusão dos mesmos na definição de APP’s. Com isso, os afastamentos exigidos para os corpos de água doce, não poderão ser aplicados para as áreas de salgados e apicuns. Para que todos entendessem a extensão dessa medida, Itamar lembrou que, salgados e apicuns, por terem sido erroneamente considerados APP´s por um simples memorando do Ibama (de nº760 de 2004), têm permitido ações por parte do Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade – ICMBio, que visam o encerramento de muitos projetos já licenciados. Esses projetos, segundo Itamar, em funcionamento há anos, estão recebendo prazos para que retirem as instalações e promovam a recuperação das áreas. Itamar lembrou também que o novo código deverá ainda ser votado no Senado, e só então enviado à sanção presidencial.
Para o presidente da ABCC o principal desafio setorial, atualmente, é o que se refere à ação legal movida pela franquia “Vivenda do Camarão”, contra a vigência da Instrução Normativa IN 39/99, do Ministério de Agricultura e Abastecimento – MAPA, que desde 1999 proíbe a importação de camarões frescos e congelados, bem como da IN 14/2010, do MPA, que condiciona a liberação das importações de pescado, a realização de análises de riscos de importação (ARI). Caso esses dispositivos legais sejam derrubados na justiça, o Brasil abrirá suas portas para a importação de camarões provenientes de diversos países, muitos já, há tempos, de olho no mercado interno desse produto. A ABCC, porém, vem municiando o MAPA e o MPA com argumentos científicos contra essa ação judicial e, por iniciativa da ABCC, foi elaborado pelo Dr. Thales Andrade, especialista em patologia de crustáceos, um Parecer Técnico que retrata os riscos que a importação de camarão pode trazer, não apenas para a carcinicultura brasileira, mas também para a própria biodiversidade marinha nacional.
Aplaudido, Itamar lembrou que são muitas as lutas que o setor tem pela frente, e a meta principal é a de elevar o atual consumo brasileiro de camarão de 550 gramas/per capita em 2010, para 1,7 kg/per capita/ano. Para entender melhor a viabilidade desse desafio, Itamar comparou o consumo brasileiro per capita de camarão (0,55kg/ano), com o consumo de carne vermelha (53 kg/ano), lembrando que os preços de ambos, praticados pelo produtor, são idênticos e competitivos. Isso sem falar “no glamour que o camarão causa aos consumidores, o que abre uma ampla vantagem para esse nobre, porém já popular produto” disse Itamar.
Simpósio Internacional
de Carcinicultura
Outro ponto de destaque do WAS/Fenacam 2011 foi a realização do VIII Simpósio Internacional de Carcinicultura, que este ano contou com 23 palestras, sendo oito delas proferidas por autoridades e especialistas brasileiros e 15 por especialistas estrangeiros, que representaram 13 países que no total respondem por mais de 90% da produção e do mercado mundial de camarão cultivado.
George Chamberlain, presidente da Global Aquaculture Alliance, abriu o Simpósio com a notícia de que as estimativas recentes de aumento de demanda por pescado já excedem em muito as projeções anteriores, que foram baseadas exclusivamente no aumento da população mundial. Chamberlain apresentou um estudo realizado pelo economista do Banco Mundial, Albert Zeufack, onde prevê que até 2030 mais de três bilhões de novos consumidores irão ingressar na classe média global, sendo que 90% deles residirão na Ásia. A classe média da China e da Índia terá um papel relevante nesse novo cenário mundial, impulsionando fortemente a demanda por pescado. O presidente da GAA surpreendeu ainda mais a plateia quando apresentou outro estudo, feito pelo economista norueguês Ragnar Tveteras, e elaborado a partir de avaliações dos indicadores econômicos do Banco Mundial e do FMI, cuja conclusão é de que a China, ainda em 2011, neste ano, portanto, deixará de desempenhar o seu reconhecido papel de exportador, para ser visto como a nova força importadora de pescado do mundo. Diante dessas constatações e da óbvia necessidade de alavancar a produção mundial, Chamberlain passou a falar das “novas tecnologias que serão capazes de dobrar a produção atual de camarão, de forma sustentável, em apenas uma década”, título da sua palestra.
Para apresentar o cenário brasileiro e a sua capacidade de produzir pós-larvas, Ana Carolina Guerrelhas, da Aquatec, falou sobre os procedimentos de maturação e larvicultura adotados pela indústria nacional. O L. vannamei é a única espécie cultivada no Brasil desde 1992, após ter sido introduzido no país em 1981, no Estado do Rio Grande do Norte, com animais provenientes do Equador. Em 1983 uma nova introdução também proveniente do Equador foi feita por uma empresa baiana. Nos anos seguintes sucederam-se diversas introduções para vários estados, com animais provenientes do Panamá, EUA (SPF), El Salvador, México e Venezuela. Em 1999 essas introduções foram interrompidas para proteger a indústria nacional das várias doenças que causavam grandes prejuízos à carciniculturas de diversos países da América Central. Atualmente, segundo Ana Guerrelhas, o Brasil produz aproximadamente 15 bilhões de pós-larvas anuais e, para atender os 18 laboratórios em atividade no país, são produzidos anualmente cerca de 65 mil reprodutores, de 38 a 50 gramas.
A carcinicultura brasileira foi abordada também por Enox Maia, que apresentou dados dos cultivos em águas continentais; por Clélio Fonseca, que abordou a produção orgânica do crustáceo; por Thales Andrade, que apresentou o cenário atualizado das doenças no país, e por Itamar Rocha que falou das tendências da indústria nacional.
Oscar Henning, um brasileiro radicado no Havaí, falou sobre os avanços observados no melhoramento genético e o impacto que isso tem causado na produção de camarão na Ásia. Tzachi Samocha abordou as importantes tecnologias que têm sido desenvolvidas para a fase de berçário, visando atender os desafios de ter que produzir em áreas afetadas pelo vírus da mancha branca. Albert Tacon falou das tendências e dos desenvolvimentos recentes relacionados com a seleção e utilização de fontes de ingredientes de ração para o setor aquícola, incluindo os esforços para reduzir a dependência do setor em farinha e óleo de peixe. Claude Boyd, da Auburn University falou das boas práticas de manejo para o cultivo do camarão marinho. A situação da carcinicultura na Indonésia, China, Tailândia, Índia, México e Equador foi apresentada por especialistas desses países. O Simpósio contou ainda com uma palestra especial sobre a situação do cultivo do camarão de água doce (M. rosenbergii e M. malcolmsonii) na Índia, que atualmente está produzindo apenas 70% do pico de produção obtido em 2005, em decorrência de problemas relacionados com a qualidade das águas e baixa qualidade das pós-larvas.
Feira Internacional de Produtos e Serviços
A Feira de Produtos e Serviços que aconteceu em três dos quatro dias do WAS/Fenacam 2011, acolheu 120 empresas, sendo 50 delas estrangeiras oriundas de todos os continentes, que tiveram a oportunidade de apresentar aos visitantes, o que existe de mais moderno na indústria da aquicultura mundial. Ao longo dos três dias a Feira recebeu 7.880 pessoas e, na opinião de todos os expositores, o sucesso foi tão grande que deveria também ter sido aberta ao público no quarto e último dia do evento. A Feira foi, sem dúvida, uma grande oportunidade para melhorar o aprendizado, promover o intercâmbio de informações e desenvolver parcerias e negócios, especialmente no tocante a insumos, equipamentos, serviços e a comercialização da produção.
WAS e as pesquisas apresentadas
A partir do evento e pelo próximo ano, a Sociedade Mundial de Aquicultura (WAS na sigla em inglês) passou a ser presidida pelo brasileiro Ricardo Cavalcanti Martino, pesquisador da Fundação Instituto de Pesca do Rio de Janeiro – FIPERJ. Martino assumiu o cargo anteriormente ocupado por Jay Parsons, que em discurso na abertura do avento, agradeceu ao Comitê Organizador brasileiro pelo seu empenho.
Nas próximas edições a Panorama da AQÜICULTURA trará para os leitores os destaques das pesquisas apresentadas nas seções técnicas.