XIII ISFNF, o mais importante simpósio da nutrição aqüícola

Especialistas se encontram e discutem o cenário inusitado e complexo dos insumos para as rações

Por: Jomar Carvalho Filho
Editor da Panorama da AQÜICULTURA
e-mail: [email protected]


Florianópolis recebeu, de 1 a 5 de junho, a XIII versão do International Symposium on Fish Nutrition and Feeding (ISFNF), um evento bianual voltado, principalmente, para a nutrição e alimentação de peixes, mas que também abordou, na versão brasileira, a nutrição de outros organismos aquáticos. O evento realizado no Centro de Convenções do Hotel Majestic Palace contou com a participação de 440 pessoas vindas de 37 diferentes países, entre estudantes, pesquisadores e representantes das principais indústrias de alimentos de todo o mundo. Do total de participantes, 110 eram brasileiros.

No Brasil, a organização do ISFNF ficou sob a responsabilidade da pesquisadora e professora da Universidade Federal de Santa Catarina, Débora Fracalossi, que contou com a valiosa colaboração de diversos pesquisadores brasileiros que com ela formaram o comitê científico local. Sobre o evento, o que se pode dizer é que o trabalho da professora Débora Fracalossi e da sua equipe, bem como o da Oceano Eventos, empresa responsável por toda a logística e organização do simpósio, foram impecáveis.

Por ser muito direcionado, todo o XIII ISFNF aconteceu em apenas um auditório do hotel. Todos os participantes compartilharam dos 81 trabalhos anteriormente selecionados para serem apresentados de forma oral, e das sete palestras de destaque, proferidas por pesquisadores especialmente convidados. Outros 215 trabalhos foram expostos ao longo do evento, apresentados na forma de pôster.

A programação principal do evento foi iniciada no domingo, dia 1 de junho, com um workshop focado sobre o tema “Sustentabilidade de rações para peixes e camarões no terceiro milênio”, tendo como moderadores, os especialistas Albert G.J. Tacon, Eric B. Routledge, João Manoel C. Alves, Karl D. Shearer, Ronaldo O. Cavalli, Trond Storebakken, Tryve Berg Lea e Vinícius R. Cerqueira. Para Débora Fracalossi esse foi um dos pontos altos do XIII ISFNF, já que a intenção do workshop era também discutir a atual perspectiva brasileira de cultivo de peixes marinhos carnívoros, levando-se em conta os futuros desafios para a produção de rações, frente a escassez de ingredientes e a sustentabilidade ambiental.

Para Fracalossi, os objetivos do evento foram plenamente realizados, “pois conseguimos propiciar aos pesquisadores, estudantes e técnicos brasileiros que trabalham na área de nutrição de peixes e camarões, o convívio durante cinco dias com pesquisadores de renome da academia e das indústrias internacionais de rações, apresentando o que há de mais recente nas pesquisas da área. A realização dos almoços em conjunto, bem como de happy hours nos finais de tarde, proporcionaram a integração e contato entre os participantes. Eu fui uma das poucas participantes brasileiras nos últimos três ISFNF, que ocorreram em Biarritz – França (2006), Puket – Tailândia (2004) e Rodes – Grécia (2002) e, a cada evento, lamentei que colegas brasileiros não estivessem presentes”, disse Fracalossi frisando que o simpósio é um evento caro e, portanto, de difícil acesso a maioria dos nossos pesquisadores e alunos de pós-graduação. A especialista acredita, entretanto, que a partir das respostas positivas dos colegas brasileiros após a realização do XIII ISFNF em Florianópolis, muitos destes se sentirão bastante motivados para procurar fundos que possibilitem a participação nas próximas edições, que já estão agendadas para acontecerem na China, em 2010, e na Noruega, em 2012.

Ronald W. Hardy, professor e diretor do Instituto de Pesquisa em Aqüicultura da Universidade de Idaho, USA
Ronald W. Hardy, professor e diretor do Instituto de Pesquisa em Aqüicultura da Universidade de Idaho, USA

Preocupações

O que se viu em Florianópolis foi a prova do esforço que está sendo empreendido atualmente pela academia e pela indústria de alimentos aquáticos de diversos países, principalmente dos que cultivam espécies carnívoras de águas frias, para tentarem contornar os problemas decorrentes das bruscas mudanças observadas no cenário dos ingredientes utilizados na formulação das rações.

Uma boa amostra do que está realmente acontecendo no setor de alimentos foi apresentada pelo professor Ronald Hardy, diretor do Instituto de Aqüicultura da Universidade de Idaho – EUA, que veio a Florianópolis convidado para falar das fontes alternativas de proteína, frente aos novos desafios e oportunidades. Segundo Hardy, até 2007 o setor de alimentos para aqüicultura ainda era motivado por algumas certezas e expectativas com relação ao futuro da rações aquáticas. Entre as certezas, destacou a de que a produção global de farinha de pescado não seria capaz de atender a demanda futura das rações aquáticas, e que os preços cresceriam bastante, acompanhando o aumento dessa demanda. Entre as expectativas, a de que, à medida que os preços da farinha de pescado subissem, automaticamente os concentrados protéicos de origem vegetal se tornariam a alternativa economicamente viável. Em conseqüência, também se acreditava, até 2007, que a crescente demanda por concentrados vegetais é que orientaria os investimentos necessários para aumentar a oferta, e que a competição seria responsável pelo estímulo à inovação e pelo controle dos preços desses concentrados vegetais.

Em tom irônico para uma platéia lotada, Hardy acrescentou que foi justamente esse cenário de certezas e expectativas otimistas, que fizeram com que muitos pesquisadores acreditassem que teriam uma “boa vida” pela frente. Mas a preocupação dos cientistas e da indústria, segundo Hardy, era apenas com os aspectos relacionados com a sustentabilidade, num caminho pautado pela constatação de que as rações aquáticas, já em 2006, consumiam mais de 45% do total da produção mundial de farinha de pescado, e a perspectiva era a de que consumissem os 100% já nos 5-10 anos seguintes.

Apesar dos alarmes estarem soando, não havia uma preocupação tão imediata por parte das indústrias de rações aquáticas até que, de forma surpreendente, ainda em 2006, o preço da farinha de peixe simplesmente dobrou no mercado internacional, forçando todo o setor a dar uma guinada, antes da hora prevista, no sentido do uso de proteínas alternativas. E foi aí que veio, de fato, a maior de todas as surpresas: o aumento também inesperado dos grãos e dos óleos vegetais, tornando, segundo Hardy, bastante complicada a vida dos produtores de alimentos e dos pesquisadores que se dedicam a nutrição de organismos aquáticos.

José Eurico (Zico) P. Cyrino, professor do Departamento de  Zootecnia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/USP
José Eurico (Zico) P. Cyrino, professor do Departamento de  Zootecnia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/USP

A dança dos preços

As mudanças radicais nos preços dos grãos ficaram fora de qualquer previsão, mesmo as mais pessimistas, e passaram a afetar toda a economia mundial de forma bastante acentuada, com grande destaque para os consumidores de rações balanceadas. Para se ter uma idéia, a tonelada do milho, que nos últimos 30 anos manteve um preço médio de US$ 95, custava em 30 de abril deste ano, impensáveis US$ 224. Por sua vez a tonelada do trigo, que era comprada em 2006 a US$ 156, só é comprada hoje a US$ 389. A soja, cuja tonelada custava US$ 230 no ano passado, passou a valer US$ 350. O aumento desses insumos, importantíssimos na elaboração das rações, afetou de imediato os custos de produção de muitos animais, incluindo aí os peixes e camarões.

Assim, segundo Hardy, as expectativas de que os concentrados protéicos vegetais seriam a alternativa para servir de fonte de proteína nas rações aquáticas, já não eram mais totalmente válidas.

Mas o que teria mudado no mundo, para que os preços tivessem esse comportamento? Em sua palestra no XIII ISFNF, Hardy explicou que houve um aumento na produção de etanol e biodiesel obtidos a partir de milho, trigo e sorgo. Além disso, o mercado mundial foi afetado pela seca na Austrália, que interferiu bastante no abastecimento mundial de trigo, e pela “ferrugem do trigo”, que afetou a produção no Oriente Médio.

Segundo Ronald Hardy, os aumentos mundiais nos preços dos combustíveis e dos fertilizantes também estão afetando o custo de produção e do transporte dos grãos, bem como a influência da especulação e da desvalorização do dólar, que tem elevado as exportações norte-americanas, principalmente para a China e outros países do sudeste Asiático. Ainda, segundo o especialista, o aumento do padrão de vida nos países desenvolvidos e o crescimento da demanda e da produção de carne vermelha na China também podem ser considerados motivos, talvez menos óbvios, que afetam a demanda e os preços dos grãos. Para se ter uma idéia, o rebanho de suínos da China tem crescido a taxas anuais de 8 a 10% e hoje já somam 650 milhões de animais – em toda UE são 250 milhões e nos EUA 108 milhões.

Em resumo, a dupla demanda – produção de alimentos e biocombustíveis – pode ser considerada a causa das tensões relacionadas à produção agrícola. Para se ter uma idéia da complexidade dos dias que virão, a expectativa é que a demanda por alimentos dobre até 2025, ao mesmo tempo que o mundo está se voltando para os biocombustíveis como suplemento do uso do petróleo.

Rodrigo Roubach e Eric Routledge, da SEAP, em uma das concorridas  seções de posteres onde foram aprensentados 215 trabalhos de pesquisa na área de nutrição
Rodrigo Roubach e Eric Routledge, da SEAP, em uma das concorridas  seções de posteres onde foram aprensentados 215 trabalhos de pesquisa na área de nutrição

Oportunidades

Não se pode fechar os olhos para o fato de que há um a expectativa de que a atual demanda mundial por rações aquáticas dobre nos próximos 12 anos, com um aumento da produção de espécies marinhas carnívoras, o que significa dizer que a necessidade de proteína para rações aquáticas também dobrará no mesmo período. Entretanto, para o diretor do Instituto de Pesquisa em Aqüicultura da Universidade de Idaho, nesse quadro atual também podem ser vistos desafios e oportunidades. Não se deve esquecer, por exemplo, que a proteína é o mais valioso subproduto da produção de biocombustível. Uma tonelada de milho, por exemplo, é capaz de produzir 390 litros de etanol e 283 kg de grãos secos de destilaria ou DDGS (Dried Distillers Grains with Solubles).

O gerente de aqüicultura da Guabi, João Manoel Cordeiro Alves (segundo da esqueda para direita) recebe amigos e clientes no estande da Guabi, patrocinadora diamante do evento
O gerente de aqüicultura da Guabi, João Manoel Cordeiro Alves (segundo da esqueda para direita) recebe amigos e clientes no estande da Guabi, patrocinadora diamante do evento

Os DDGS possuem cerca de 10% de lipídeos, de 27 a 30% de proteína bruta, 7% de fibras, 4% de cinzas e de 40 a 42% de extrato livre de nitrogênio (carboidratos não fermentados). Atualmente, nos EUA, os DDGS são usados para alimentar gado, cavalos e na confecção de alimentos pet. Ainda são muito pouco utilizados nas rações aquáticas, mas possuem, segundo Hardy, um bom potencial para alimentar tilápia, carpas e outros peixes onívoros. Já existem, porém, pesquisas realizadas com o uso dos DDGS na ração de truta, realizada pelo próprio Hardy, para camarões marinhos e de água doce (M. rosenbergii), para tilápia e para o catfish norte-americano.

Apesar de possuírem proteínas altamente digestíveis, possuem altos níveis de carboidratos, o que limita a sua utilização nas rações para peixes carnívoros a menos de 10% da formulação, ou até 18% da proteína disponível.

Já para os peixes onívoros, segundo Hardy, o uso dos DDGS pode chegar a 35%, juntamente com outras fontes como a soja, ainda mais com suplementação de lisina. Entretanto, ainda não foram desenvolvidas muitas pesquisas a esse respeito.
Com relação aos custos, o uso das proteínas dos DDGS também se mostra muito vantajoso, como pode ser visto na tabela.

Custo atual da proteína das diferentes fontes

Segundo Hardy, os atuais desafios para o uso das proteínas alternativas vegetais se concentram no equilíbrio dos aminoácidos e dos minerais que podem ser feitos com a ajuda da suplementação de proteínas de origem marinha, farinha de espinhas de pescados processados e também fitase. Deve ser também prestada muita atenção na palatabilidade, bem como nos chamados fatores de crescimento que estão presentes na farinha de pescado, mas que não estão presentes nos concentrados protéicos de origem vegetal. Problemas como deformidades no esqueleto de salmonídeos que estão associados com desequilíbrio mineral, devem estar na mira dos pesquisadores que se debruçam sobre o uso dos concentrados protéicos vegetais.

De resto, ficam as certezas de que existem grandes tendências que estão alterando o cenário das commodities, cujos preços se manterão altos e voláteis, e dos ingredientes das rações aquáticas. É certo também que todas as carnes, incluindo a dos pescados, ficarão mais caras e isso aumentará a pressão para que se encontrem alternativas econômicas para o abastecimento de proteína e óleo para as rações aquáticas.