Legislação Aqüícola: Águas Turvas

Autor: Carlos Eduardo Martins de Proença*


A partir do início da década de 90, a aqüicultura brasileira passou a apresentar um ritmo de desenvolvimento bem mais acelerado do que vinha registrando até então.

Esta mudança teve como causas principais a viabilização técnico-econômica do cultivo do mexilhão Perna perna e da ostra Crassostrea gigas no litoral de Santa Catarina, do camarão marinho Penaeus vannamei na costa da Região Nordeste, das tilápias no Paraná e de várias espécies nativas em outros locais do Brasil. Destaca-se também a rápida proliferação dos “Pesque-Pague”, permitindo que os peixes cultivados tivessem uma forma de comercialização mais rápida, eficiente e viável para o produtor.

Todas estas mudanças, porém, trouxeram à luz uma legislação obsoleta, inadequada e/ou incompleta para o setor aqüícola nacional.

Instrumentos legais elaborados quando a aqüicultura brasileira ainda se encontrava em sua fase embrionária, permanecem vigentes, sem uma única alteração que os tornem mais adequados à modernidade.

É possível, por exemplo, que o Artigo no 51 do Decreto-Lei no 221 de 28/02/67, onde está estabelecido que cabe ao poder público a emissão dos registros dos aqüicultores, tenha sido redigido numa época em que no Brasil, não havia ainda uma centena de projetos de aqüicultura em funcionamento. Hoje é bem provável que este número seja superior a 50.000 e os registros do IBAMA não chegam a 10% desse universo.

Um dos fatores que mais dificultam a adequação das normas e critérios à realidade atual, é que existe uma hierarquia para os instrumentos legais e, quanto mais alta for a posição de um determinado instrumento nessa hierarquia, maior a dificuldade em alterá-lo.

Estima-se, por exemplo, que o prazo mínimo para alteração de uma lei seja hoje de cinco anos, isto se for feito um bom trabalho de base.

Devido a esta dificuldade, o que tem sido verificado é que, sobre documentos legais superiores (porém tecnicamente imperfeitos), têm sido criados instrumentos hierarquicamente inferiores que mantêm, ou às vezes até agravam, a situação equivocada.

Metaforicamente, podemos imaginar um muro que, em certos trechos, apresenta uma base inclinada, sobre a qual continuam sendo depositados tijolos. Alguns destes tijolos tendem a dar uma pequena correção à base, outros mantêm a inclinação pré-existente e outros acentuam ainda mais a incorreção do ângulo. O resultado é o comprometimento de toda a estrutura e estabilidade do muro.

 Cultivos Hídricos

Para exemplificar o que estamos relatando, tomemos por base a Resolução CONAMA no 01 de 23/01/86 que diz em seu Artigo 2o, alínea XII: “Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental – RIMA a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e da SEMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como: complexos e unidades industriais e agro-industriais, petroquímicos, siderúrgicos, cloroquímicos, destilarias de álcool, hulha, extração e cultivo de recursos hídricos” (o grifo é nosso).

O problema é o que se entende por “cultivo de recursos hídricos”. No meio técnico correm as expressões cultivo de algas, cultivo de peixes, etc., mas não “cultivo de recursos hídricos”. Porém, alguns entendem que “cultivo de recursos hídricos” equivale à “cultivo da água”. Se a agricultura é o “cultivo da terra”, a aqüicultura, sendo a contraparte aquática da agricultura poderia ser considerada “o cultivo da água”. Porém, tudo se passa no campo subjetivo, uma vez que não consta no referido instrumento uma definição da expressão citada.

Se tomarmos por base a conclusão acima, todo e qualquer projeto de aqüicultura, independente de suas características, deve apresentar um EIA – RIMA para sua aprovação.

Assim sendo, uma pessoa que produz peixes de aquário no quintal de sua casa e comercializa sua produção, deveria ter um EIA – RIMA, uma vez que ela é, por definição, um aqüicultor e pratica aqüicultura.

Visando amenizar tal incongruência, a Portaria IBAMA no 95 de 30/08/93, isentou de apresentação de Licença Ambiental certas categorias da aqüicultura que não apresentam potencial impactante. Apesar de ser tecnicamente mais correta, legalmente a Portaria vai de encontro ao disposto na Resolução CONAMA, uma vez que a mesma não previu exceções e é hierarquicamente superior a Portaria do IBAMA.

No intuito de detectar esta e outras imperfeições existentes na legislação em vigor, propondo correções e a geração de novos instrumentos que venham a regulamentar aspectos ainda não tratados, o IBAMA está redigindo um documento intitulado “Aqüicultura e Legislação”, que servirá de base para o trabalho de ordenamento da aqüicultura sob a responsabilidade do DEPAQ, iniciando-se desta forma uma ação vital para que a aqüicultura brasileira venha a ter uma legislação própria que promova seu desenvolvimento sustentável, bem como a compatibilize com a preservação ambiental e com as demais atividades humanas usuárias dos recursos naturais.

*Autor: Carlos Eduardo Martins de Proença [email protected]