Mortandade de vieiras dá sinal de alerta sobre saúde da Baía da Ilha Grande

O Rio de Janeiro tem um longo histórico no cultivo da vieira nativa Nodipecten nodosus e concentra seus cultivos na região na Baía da Ilha Grande (BIG), em Angra dos Reis. Entretanto, essa atividade vem sofrendo alguns percalços, sobretudo devido ao forte aumento da mortalidade observado nos últimos seis anos. No intuito de averiguar as possíveis causas desses surtos de mortalidade, uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (Fiperj), Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) e do Instituto de Ecodesenvolvimento da Baía da Ilha Grande (IED-BIG) uniu esforços em uma pesquisa publicada no final do ano passado na revista “Science of The Total Environment”, com o título “Colapso da produção de vieiras Nodipecten nodosus no Sudeste tropical do Brasil como possível consequência do aquecimento global e da poluição das águas”.

A Panorama da AQÜICULTURA procurou Felipe Landuci, professor do Departamento de Biologia Marinha do Instituto de Biologia da UFRJ, integrante da equipe de pesquisadores e um dos autores do artigo, para falar sobre a pesquisa e seus achados.


O que os resultados de produção apontavam?

“Que o declínio na produção passou a ocorrer a partir de 2017. A sobrevivência das vieiras adultas foi de ~22 % nos últimos cinco anos, em comparação com ~60 % no período anterior (2010-2017). A produção de sementes, nos tanques de larvicultura dentro do laboratório, seguiu um ritmo sustentado nos últimos 13 anos. Contudo, a segunda fase da produção, que ocorre em mar, caiu drasticamente nos últimos 5 anos. Esse valor médio quinquenal foi significativamente inferior ao valor de referência de produção para 2010-2017″.

A que se pode atribuir essa queda na produção?

“A comparação dos parâmetros de qualidade da água e dos resultados da produção demonstrou que a produção foi maior nas águas mais frias e durante os picos de clorofila nos últimos 13 anos. Os níveis de clorofila e a produção de espécimes diminuíram significativamente nos últimos cinco anos como possível resultado das alterações climáticas. A regressão múltipla também revelou uma possível influência da clorofila sobre a produção”.

Qual foi a estratégia utilizada para obter os dados para a pesquisa?

“Nesse estudo, os pesquisadores analisaram as tendências da produção de sementes e adultos de Nodipecten nodosus no estado do Rio de Janeiro nos últimos 13 anos e compararam essas tendências com dados decanais de temperatura da água do mar e clorofila a partir de imagens de satélite obtidos pelo sensor Moderate-Resolution Imaging Spectroradiometer (Modis), disponíveis para o período de 2013 a 2022. Também foram realizadas análises físico-químicas e biológicas da qualidade da água de cinco locais na BIG durante o ano de 2022, para avaliar possíveis fatores de stress e riscos ambientais. Realizaram-se contagens de bactérias bioindicadoras (Vibrio e Escherichia) para avaliar os possíveis níveis de poluição da água do mar. Análises metagenômicas do tipo Shotgun foram executadas durante períodos mais quentes (fevereiro, março, abril) e mais frios (setembro) do ano na água dos cinco locais monitorados e em vieiras moribundas e saudáveis. Por fim, os pesquisadores observaram amostras de tecido das vieiras por meio de técnicas de microscopia eletrônica de transmissão”.

Sementes Nodipecten nodosus
Sementes Nodipecten nodosus

E a poluição do mar teve influência na mortandade?

“Foram obtidos valores mais elevados de produção de sementes de vieiras em períodos com contagens mais baixas de Escherichia coli e vibrios, o que sugere que a poluição da água também desempenhou um papel na produção de juvenis de vieiras anteriormente. Todos os cinco locais amostrados tiveram contagens de vibrios acima de 200 UFC/mL e algumas espécies de vibrio identificadas foram implicadas na mortalidade de ostras. As análises metagenômicas identificaram também uma maior abundância de bactérias potencialmente patogênicas e indicadoras de contaminação fecal nos cinco locais, nos meses mais quentes. A microscopia mostrou fibras musculares inchadas e dissociação dos sarcômeros, degradação das mitocôndrias e rutura da membrana plasmática, o que indica necrose. Foram observadas células bacterianas nos espaços entre os sarcômeros com bactérias infiltradas no músculo.  A presença de potenciais agentes patogênicos na água do mar e de células bacterianas no interior do tecido muscular das vieiras indicam condições de maricultura insustentáveis, que poderão agravar-se com o aquecimento e a poluição da água do mar”.

Sementes de Vieira
Sementes de Vieira

Ao jogar luzes sobre o atual estado de saúde dessa que é uma das mais famosas baías brasileiras, esse estudo está enviando um sinal de alerta?

“Sim. E um apelo a medidas rápidas para mitigar a poluição da água local. O colapso da maricultura de vieiras na Baía da Ilha Grande é uma possível consequência dos efeitos negativos sinérgicos do aquecimento global e da má qualidade da água do mar. Os resultados sugerem que a transferência de juvenis de vieiras do laboratório para o mar deve ser sincronizada com períodos de maiores níveis de clorofila e temperaturas mais baixas para sustentar a demanda metabólica da vieira. A mitigação da poluição também é necessária para melhorar qualidade da água da BIG, chegando em níveis que possam sustentar a produção de vieiras. Novos estudos vêm se concentrando em explorar as diferenças na qualidade de água e os microbiomas no desempenho e sobrevivência das vieiras cultivadas na BIG e em outros locais do estado”.

O estudo comentado aqui por Felipe Landuci pode ser acessado em https://shorturl.at/clzU5