Qualidade da Água na Produção de Peixes – Parte II

Autor:  Fernando Kubitza*


· O metabolismo do fitoplâncton
· Componentes e funcionamento do sistema tampão          bicarbonato-carbonato
· Monitoramento da qualidade da água
· Correção da qualidade da água
· Origem e reciclagem dos resíduos orgânicos e metabólitos
· Qualidade do alimento e qualidade da água

  1. O metabolismo do fitoplâncton

   O plâncton é composto por organismos animais (zooplâncton) e vegetais (fitoplâncton). Por hora serão destacados os aspectos metabólicos relacionados ao fitoplâncton, componente do plâncton geralmente presente em maior biomassa nos ecossistemas aquaculturais. Exemplos de organismos do fitoplâncton são as algas verdes, as cianofíceas ou “blue-greens” e as diatomáceas, entre outras. Referências ao zooplâncton serão feitas oportunamente.

6.1. Fotossíntese e respiração

   O crescimento da biomassa planctônica depende dos processos fotossintéticos do fitoplâncton. A fotossíntese é um processo de produção de material orgânico e ocorre na presença de gás carbônico, água e nutrientes orgânicos, pigmentos (clorofila) e radiação solar. A fotossíntese gera substratos e energia para os processos metabólicos vitais (crescimento e reprodução) do fitoplâncton. A liberação da energia contida nos compostos orgânicos é processada durante a respiração do fitoplâncton.

Protoplasma do Fitoplâncton
106 CO2 + 16 NO3 + HPO4= + 122 H2O + 18 H+ micronutrientes + energia

FOTOSSÍNTESE  RESPIRAÇÃO
(C106 H263 O110 N16 P1) + 138 O2

   A fotossíntese é a fonte primária de energia, gerando material orgânico que serve como alimento básico da cadeia alimentar nos ecossistemas aquaculturais. Através da fotossíntese, o fitoplâncton produz de 50 a 95% do oxigênio nos sistemas aquaculturais. No entanto, o plâncton chega a consumir cerca de 50 a 80% do oxigênio dissolvido em processos respiratórios (Tabela 4).

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Um equilíbrio entre fotossíntese e respiração é pré-requisito para a manutenção de uma constante composição química da água. Quando a fotossíntese supera a respiração por períodos prolongados pode ocorrer uma sobrecarga de material orgânico no sistema. Quando a respiração excede a fotossíntese, ocorrerá um balanço negativo nos níveis de oxigênio dissolvido no sistema.Fonte: Boyd e Lichtkoppler (1985)

6.2. Morte súbita do fitoplâncton. Beneficiado pela presença de macro e micronutrientes (provenientes de adubações e da reciclagem dos resíduos orgânicos), o fitoplâncton se desenvolve rapidamente. Atingida uma biomassa crítica, o fitoplâncton entra num processo de senescência e morte (“die-offs”) parcial ou total. O “die-off” ou morte súbita do fitoplâncton é uma importante fonte de resíduos orgânicos em sistemas aquaculturais. Tais resíduos serão reciclados em processos biológicos às custas do consumo de oxigênio e simultânea geração de diversos metabólitos tóxicos aos peixes, como a amônia, o nitrito e o gás carbônico.

  1. Componentes e funcionamento do sistema tampão (“Buffer”) da água

   Processos biológicos como a respiração e a fotossíntese injetam e removem, diariamente, grandes quantidades de oxigênio e gás carbônico nos sistemas aquaculturais. Devido à reação ácida do gás carbônico na água, esta pode apresentar flutuações diárias nos valores de pH. Valores extremos de pH prejudicam o crescimento e a reprodução dos peixes e, até mesmo, podem causar mortalidade massiva nos sistemas aquaculturais, principalmente durante as fases de larvicultura. O pH também regula a toxidez de metabólitos como a amônia e o gás sulfídrico. A função maior do sistema tampão é minimizar as flutuações diárias no pH, garantindo uma maior estabilidade química da água nos sistemas aquaculturais.

7.1. O funcionamento do sistema tampão bicarbonato-carbonato. A fotossíntese e a respiração do plâncton podem causar profundas alterações químicas na água. A função maior do sistema tampão bicarbonato- carbonato é atenuar estas alterações.

Fotossíntese – A remoção massiva de CO2 do sistema durante períodos de intensa atividade fotossintética tende a deslocar o equilíbrio CO2 – HCO3– CO3=, resultando em aumento na dissociação do íon HCO3 para gerar mais CO2 e CO3=, como ilustrado:

2HCO3– = CO2 + CO3= + H2O

   Para manter o equilíbrio com o bicarbonato, os íons CO3se dissociam, gerando um íon HCO3 e uma hidroxila (OH). Como são necessários a dissociação de 2 íons HCO3– para formar mais CO2 e CO3e a dissociação do CO3= gera apenas um íon HCO3, o bicarbonato é, pouco a pouco, exaurido do sistema.

CO3= + H2O = HCO3 + OH

   Íons CO3e OH– se acumulam no sistema, resultando numa progressiva elevação no pH da água. O CO2 livre deixa de ser detectado no sistema quando o pH atinge o valor de 8,3. A extinção de íons HCO< SUB> 3 < /SUB> < SUP > -< /SUP> livres ocorre à pH 10,3. Valores de pH acima de 10 podem ser freqüentemente observados ao final da tarde, em viveiros com uma densa população planctônica e água de baixo poder tampão (baixa alcalinidade total).

   A presença de íons Ca2+ e Mg2+ livres na água (componentes maiores da dureza total) é de fundamental importância ao funcionamento do sistema tampão. Estes íons ajudam na imobilização dos íons CO3=, formando compostos menos solúveis, como os precipitados de CaCO3 e MgCO3. Deste modo, menos íons CO3estarão livres na água para se dissociar em HCO3– e OH– atenuando a elevação do pH da água, mesmo em períodos de intensa atividade fotossintética.

Respiração – Durante o período noturno (ausência de fotossíntese) o processo se inverte. A respiração planctônica e dos peixes remove oxigênio e injeta uma considerável carga de CO2 no sistema.

           CO2 + H2O = H+ HCO3– (pK1= 6,35)

                       H+].[HCO3] : [CO2] = K1 = 10-6,35

    Quando a concentração de COaumenta, o equilíbrio entre CO2 e HCO3– é mantido graças ao aumento na concentração de íons H+, ou seja, uma redução no pH do sistema. Isto explica a relação inversa entre pH e concentração de CO2 na água. O aumento na concentração de CO2 resulta em liberação de íons H+, causando uma redução no pH da água.

   Em águas com um sistema tampão funcional, o aumento na concentração de íons H+ é compensado pela solubilização do CaCO3 e MgCO3precipitados, principais reservas de CO3no sistema. Os íons CO3livres na água vão se dissociar, gerando HCO3– e OH. Tanto o HCO3 como a OHirão neutralizar os íons Hgerados pela constante entrada e dissociação do CO2 no sistema. Desta forma o sistema tampão não apenas atenua a queda no pH, mas também evita um aumento excessivo na concentração de CO2 na água durante o período noturno. A variação no ciclo diário do pH da água em viveiros é ilustrada na figura 1. A água em viveiros com alta alcalinidade apresenta menor variação no pH comparada com águas de baixa alcalinidade total.

7.2. Outras funções do sistema tampão. Outra importante função do sistema tampão bicarbonato-carbonato é liberar CO2 para os processos fotossintéticos. Águas com reduzida alcalinidade (baixo poder tampão) são normalmente pouco produtivas, principalmente devido a limitação na disponibilidade de CO2 para suporte de intensa atividade fotossintética. A calagem de viveiros é prática bastante utilizada para elevar a alcalinidade, reforçando o sistema tampão da água. A calagem, à medida em que contribui com o aumento nas reservas de bicarbonato e carbonatos nos sistemas aquaculturais, servirá como fonte de CO2 aos processos fotossintéticos, ao mesmo tempo em que, durante o período noturno, removerá o excesso de CO2 devido aos processos respiratórios. Maiores detalhes sobre a calagem de tanques e viveiros serão apresentados oportunamente.

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  1. Monitoramento da qualidade da água

8.1. Perfil de qualidade da água de abastecimento. O piscicultor deve conhecer com exatidão o perfil da água de abastecimento dos tanques, viveiros e laboratórios em sua propriedade. O perfil de qualidade de algumas fontes de água para piscicultura foi apresentado anteriormente no item 3 (publicado na edição anterior). Dentre os diversos parâmetros que devem ser conhecidos destacamos: a) perfil anual de temperatura da fonte de água; b) os valores de pH, alcalinidade e dureza total; c) as concentrações de gases dissolvidos, como o oxigênio e o gás carbônico; d) os níveis de metabólitos tóxicos como a amônia e o nitrito; e) níveis de fósforo solúvel pode ser útil na recomendação de programas de adubação de tanque e viveiros para larvicultura e alevinagem.

8.2. Temperatura e oxigênio dissolvido. Devem ser monitorados diariamente em cada viveiro ou tanque de produção. Níveis máximos e mínimos de oxigênio dissolvido normalmente ocorrem, respectivamente, ao final da tarde e ao amanhecer em viveiros de baixa renovação de água. O monitoramento diário destes valores ajudam a prever a ocorrência de níveis críticos de oxigênio dissolvido, possibilitando a aplicação de aeração de emergência.

8.3. pH e amônia total. Medições semanais do pH e amônia devem ser feitas em viveiros e tanques com altos níveis de arraçoamento. Em tanques e viveiros de larvicultura estes parâmetros devem ser medidos duas vezes por semana, sempre ao final da tarde, horário em que os valores de pH mais elevados potenciam a ação tóxica da amônia (Tabela 5).

   Medições adicionais dos valores de pH ao amanhecer são úteis para verificar a eficiência do sistema tampão da água. Diferenças maiores do que 2 unidades nos valores de pH ao amanhecer e ao final da tarde indicam uma condição de inadequado sistema tampão ou uma excessiva proliferação do fitoplâncton. Valores de amônia não ionizada acima de 0,2mg/l.. já são suficientes para induzir uma toxidez crônica levando a uma diminuição do crescimento e da tolerância dos peixes às doenças. Níveis de amônia entre 0,7 e 2,4mg/l.. podem ser letais para os peixes durante exposição por curto período.

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8.4. Alcalinidade e dureza total. Devem ser monitorados mensalmente, principalmente em viveiros com excessiva infiltração onde ocorre uma diluição dos efeitos da calagem devido à necessidade de reposição de água. Valores de dureza e alcalinidade total acima de 30 mg CaCO3/l. são adequados para garantir um bom funcionamento do sistema tampão da água.

8.5. Gás carbônico. Os níveis de gás carbônico devem ser monitorados semanalmente nos tanques e viveiros intensivamente arraçoados e sempre que houver uma prevalência de baixos níveis de oxigênio dissolvido. Os níveis de gás carbônico são normalmente monitorados ao amanhecer, horário onde sua concentração é geralmente mais alta. A saturação de CO2 na água gira em torno de 0,2 a 4 mg/l. (Tabela 3, publicada na edição 45). Quando a concentração de oxigênio dissolvido é adequada, os peixes podem tolerar níveis de CO2 acima de 10 mg/l., valores comumente observados ao amanhecer em viveiros de alta produção. Concentrações de CO2 acima de 25mg/l. aliadas a uma baixa concentração de oxigênio dissolvido podem afetar sensivelmente o desempenho produtivo e, até mesmo, causar asfixia nos peixes.

8.6. Nitrito. A concentração de nitrito na água deve ser monitorada em tanques e viveiros recebendo altos níveis de arraçoamento e que apresentem elevada concentração de amônia total e baixos níveis de oxigênio dissolvido mesmo com o uso de aeração de emergência. Em água doce e em função da espécie, concentrações de nitrito de 0,7 a 200 mg/l. pode causar massiva mortandade de peixes. Exposição contínua a níveis subletais de nitrito (0,3 a 0,5mg/l.) pode causar redução no crescimento e na resistência dos peixes às doenças. Toxidez por nitrito pode ser identificada pela presença de metemoglobina (composto formado pela combinação do nitrito com a hemoglobina), que confere uma coloração marrom ao sangue, o que pode ser observado examinando as brânquias dos peixes. A toxidez por nitrito pode ser aliviada com o aumento na concentração de íons cloretos (Cl) na água.

  1. Correção da qualidade da água

   As principais estratégias utilizadas para correção dos parâmetros de qualidade da água para fins de piscicultura, baseadas na praticidade e viabilidade econômica, serão discutidas a seguir.

9.1. Calagem. Em tanques e viveiros de baixo fluxo de água a calagem pode ser usada para correção do pH e melhoria do sistema tampão. Normalmente, águas com pH < 6,5 e baixa alcalinidade e dureza total devem receber calagem. A calagem corrige os valores de pH, reforça o sistema tampão formado por bicarbonatos, carbonatos e íons Ca2+ e Mg2+ e neutraliza a acidez de troca do solo do fundo dos viveiros. Águas com dureza e/ou alcalinidade total menores que 20 mg CaCO3/l. devem receber calagem.

   Materiais para calagem: os mesmos materiais usados na calagem em solos agrícolas podem ser usados em sistemas aquaculturais. Calcário agrícola: devido ao preço e à boa disponibilidade no mercado, o calcário agrícola é o material mais utilizado em calagem. Composto por CaCO3, CaMg(CO3)ou uma mistura destes compostos, o calcário agrícola apresenta uma lenta reação na água (suave elevação do pH), sendo bastante seguro para aplicação em tanques e viveiros com peixes. Cal hidratada: o hidróxido de cálcio e/ou magnésio – CaMg(OH)4, também conhecido como cal hidratada ou cal de construção, tem sido bastante utilizado na calagem de tanques e viveiros. Deve-se evitar a aplicação de doses elevadas deste material em viveiros com peixes, devido à sua alta solubilidade e rápido efeito na elevação do pH da água. Normalmente, a cal hidratada é utilizada na calagem do fundo dos tanques e viveiros, funcionando simultaneamente, como medida profilática para eliminação de parasitos, bactérias e peixes indesejáveis que ficarem nas poças d’água após a drenagem. Em função da dose de cal hidratada aplicada, os valores do pH podem atingir níveis bastante elevados logo após o enchimento dos tanques e viveiros. Recomenda-se esperar 1 a 2 semanas até que os valores de pH retornem a níveis mais adequados e os peixes possam ser estocados. Cal virgem: todos os cuidados mencionados com o uso da cal hidratada servem para o uso da cal virgem. Adicionalmente, a cal virgem ou óxido de cálcio e/ou magnésio (CaMgO2) tem ação cáustica, portanto deve ser aplicada com muita cautela, evitando-se a inalação e o contato do produto com a pele, olhos e mucosa do aplicador.

Dose de calcário: a quantidade de calcário a ser aplicada depende do tipo de material, da sua pureza e grau de moagem (textura) e da acidez a ser neutralizada. Recomenda-se as seguintes doses iniciais de calcário agrícola, em função dos valores de pH de uma mistura solo e água destilada na proporção de 1:1 (100g de solo em 100g de água):

pH da mistura
solo:água (1:1)
Dose inicial
(kg/1.000m2)
menor que 5 Calcário agrícola Cal hidratada Cal virgem
300 220 170
5 a 6 200 150 110
6 a 7 100 75 55

Esta dose inicial deve ser aplicada a lanço sobre o fundo do viveiro ainda seco. No caso do uso de calcário agrícola de textura muito grosseira (aspecto de areia), multiplicar as doses sugeridas por 1,5. Uma a duas semanas após os tanques e viveiros terem sido enchidos confere-se a alcalinidade total da água. Se este valor ainda for menor que 30mg CaCO3/l., aplica-se uma nova dose de calcário agrícola ao redor de 50 a 100 kg/1.000m2, uniformemente sobre a superfície do viveiro. Se o produtor não dispor de meios para medir o pH da mistura solo:água ou a alcalinidade total da água, recomenda-se aplicar 200 kg de calcário agrícola/1.000m2 para desencargo de consciência. Relembrando, no uso da cal hidratada e cal virgem é prudente aguardar 1 a 2 semanas após o enchimento dos tanques para estocagem dos peixes. Em tanques e viveiros já estocados, as doses de cal hidratada e cal virgem a serem aplicadas não devem exceder 10 kg/1.000m2/dia.

Aplicação de calcário: em viveiros drenados, o calcário pode ser aplicado à lanço, manual ou mecanicamente, sobre toda a superfície do substrato dos viveiros. Em alguns casos, onde o substrato é bastante firme, pode se usar uma grade de disco para incorporar parte do calcário nos primeiros 15 cm do substrato. Em viveiros com água e peixes o uso do calcário agrícola é mais recomendado por ser mais seguro aos peixes. Cautela maior deve ser tomada quando do uso da cal hidratada ou da cal virgem, compostos que elevam o pH da água rapidamente.

Viveiros pequenos podem ser calcariados adequadamente da própria margem, espalhando-se o calcário por toda a superfície dos viveiros. Viveiros maiores e grandes represas podem ser calcariados com o auxílio de um barco (bote) provido com uma plataforma de madeira onde o calcário é carregado. O calcário pode ser aplicado a lanço com o uso de pás ou distribuído com o auxílio de bombas d’água, que succionam a água do próprio viveiro, dirigindo-se um jato de água sobre o calcário depositado na plataforma. O barco deve percorrer toda a superfície do viveiro ou represa, de forma a conseguir uma aplicação mais homogênea. Onde não houver disponibilidade de barcos para a aplicação, o calcário pode ser espalhado, da própria margem, nas áreas mais rasas dos viveiros e represas, onde, com a ação de ondas, o material vai se diluindo lentamente.

Freqüência de aplicação de calcário: viveiros em sistemas de água parada que receberam adequada calagem podem apresentar níveis satisfatórios de alcalinidade e dureza total por pelo menos 3 anos, em função da freqüência de drenagem dos mesmos, do volume de água de chuva (“runoff”) passado através dos mesmos e das perdas via infiltração. A acidez gerada com a decomposição da matéria orgânica, com a nitrificação da amônia à nitrito e com o uso de fertilizantes de reação ácida pode contribuir para uma redução no efeito residual da calagem.

O efeito da calagem não é perdido após uma drenagem total dos viveiros. No entanto, é recomendável uma aplicação de calcário de manutenção, ao redor de 25% da dose inicial, após cada ciclo de produção e drenagem dos viveiros, de forma a manter adequados os níveis de dureza e a alcalinidade total da água e o pH do lodo.

9.2. Redução da turbidez mineral. A aplicação de gesso agrícola (sulfato de cálcio) é prática eficiente e barata para reduzir a turbidez mineral causada por colóides de argila e silte em suspensão na água. Doses de 250 a 500g de gesso/m3 de volume do viveiro são recomendadas para este fim. O gesso também pode ser utilizado para elevar os valores de dureza total sem alterar muito a alcalinidade total da água. Para se elevar a dureza total da água em 10 mg CaCO3/l. é necessário a aplicação de 18 a 25 g de gesso/m3. A aplicação de gesso também reduz a concentração de ortofosfatos solúveis na água e, portanto, a abundância do fitoplâncton.

sulfato de alumínio em concentrações de 15 a 25g/m3 também é bastante eficiente na remoção da turbidez mineral. Aplicar sulfato de alumínio é mais fácil do que aplicar gesso, embora exija maiores cuidados por parte do aplicador. O sulfato de alumínio, no entanto, provoca redução na alcalinidade total e no pH da água. Cerca de 0,4 g de cal hidratada – Ca(OH)são necessários para neutralizar a acidez provocada pela aplicação de 1g de sulfato de alumínio. O efeito residual do gesso na remoção da turbidez mineral é mais duradouro do que o do sulfato de alumínio.

Aplicação de material orgânico (estercos e farelos vegetais) servem para reduzir a turbidez mineral da água. No entanto, tal prática promove uma redução nos valores de oxigênio dissolvido e aumento na concentração de metabólitos tóxicos, acelerando a degradação da qualidade da água.

A melhor estratégia para evitar problemas com excessiva turbidez mineral da água é descobrir as causas da mesma e corrigí-las. Na maioria das vezes estes problemas estão associados à entrada de enxurradas nos canais de abastecimento ou diretamente nos tanques e viveiros. O uso de práticas de conservação do solo nas áreas vizinhas aos tanques e viveiros pode resolver definitivamente estes problemas. Tanques muito rasos e ou estocados em alta densidade com espécies de peixes que procuram alimento no fundo, como exemplo a carpa comum, podem apresentar problemas com excessiva turbidez mineral. Estes problemas também são comuns em tanques e viveiros com aeração contínua ou recebendo excessiva potência de aeração ou onde o posicionamento dos aeradores é incorreto. Peixes com alto grau de infestação por parasitos externos podem se raspa no fundo dos viveiros e suspender grande quantidade de argila e silte na água.

 9.3. Redução do potencial tóxico da amônia e do nitrito. Troca de água, quando possível, é a estratégia mais empregada para amenizar os problemas com elevada concentração de amônia e/ou nitrito. Em locais onde a disponibilidade de água é restrita, outras técnicas podem ser utilizadas.

Amônia: redução no pH da água reduz a concentração de amônia não ionizada (forma tóxica da amônia). Duas são as estratégias para reduzir o pH da água: 1) aplicação de ácidos inorgânicos (ácido clorídrico e ácido sulfúrico), técnica de efeito de curta duração; 2) técnicas de controle da população fitoplanctônica. As técnicas de controle do fitoplâncton apresentam efeito mais duradouro do que a aplicação de ácidos.

controle do fitoplâncton pode ser efetuado com técnicas de manipulação de nutrientes ou com o uso de algicidas. A manipulação de nutrientes envolve, principalmente, a redução nos teores de ortofosfatos solúveis na água, o que pode ser conseguido com aplicações controladas de gesso agrícola ou sulfato de alumínio. O sulfato de alumínio promove, simultaneamente, uma redução no pH devido à sua reação ácida na água.

O uso de algicidas como o sulfato de cobre e o simazine deve ser praticado com cautela. O sulfato de cobre é extremamente tóxico aos organismos aquáticos, especialmente aos peixes. Não é recomendado a aplicação de sulfato de cobre em águas com alcalinidade total inferior a 40mg CaCO3/l.. As doses de sulfato de cobre a serem aplicadas devem ser baseadas nos valores de alcalinidade total da água, conforme a equação abaixo:

Dose de sulfato de cobre (g/m3) = Alcalinidade total : 100

Exemplo: se a alcalinidade total da água for igual a 80 mg CaCO3/l., a dose de sulfato de cobre a ser aplicada não deve exceder a 0,8g/m3.

Simazine é um algicida bastante eficaz em doses de 0,25 g/m3. No entanto, este produto apresenta grande persistência na água impedindo o crescimento do fitoplâncton, o que leva a um prolongado período de baixa concentração de oxigênio dissolvido na água. Aplicações de sulfato de cobre e simazine, pelo seu efeito algicida, podem causar severa depleção dos níveis de oxigênio dissolvido na água e, consequentemente, massiva mortalidade de peixes. Aeração de emergência deve estar disponível quando da utilização destes produtos no controle do fitoplâncton. Aplicações restritas a algumas áreas dos tanques e viveiros (aplicações localizadas em áreas onde o fitoplâncton se acumula, principalmente em função da ação dos ventos) promovem controle parcial do fitoplâncton e, portanto, apresenta efeito menos drástico sobre os níveis de oxigênio dissolvido na água. A decomposição microbiana das algas mortas pelos algicidas resulta na liberação de amônia e nutrientes que podem favorecer o restabelecimento do fitoplâncton, o que faz do uso de algicidas uma estratégia paliativa na redução do pH da água via controle da população planctônica.

Aeração não é uma estratégia eficiente para eliminação de amônia dos tanques por volatilização para a atmosfera, como clamam alguns fabricantes de aeradores. No entanto, a manutenção de níveis mais adequados de oxigênio dissolvido favorece o processo de nitrificação, através do qual a amônia e o nitrito são transformados em nitrato, composto nitrogenado menos tóxico aos peixes.

Nitrito: problemas de toxidez aos peixes por nitrito podem ser aliviados com o aumento na concentração de íons cloreto na água, o que pode ser conseguido com a aplicação de sal (cloreto de sódio) nos tanques e viveiros. A quantidade de sal a ser aplicada deve ser suficiente para manter uma proporção de 6 mols de íons Cl– para cada mol de íon NO2. A concentração de íons Cl já presente na água deve ser considerada no cálculo da dose de sal a ser aplicada, como segue:

Dose de sal (g/m3) = [6 x (NO2– mg/l.) – (Cl na água mg/l.)] : 0,6

Exemplo: se a concentração de nitrito na água for 0,8mg/l. e a de íons cloreto originalmente na água for 0,1mg/l., a dose de sal a ser aplicada é de 7,8 g/m3. Considerando um viveiro com 5.000m2 de espelho d’água e profundidade média de 1,2m, ou seja, um volume de água de 6.000m3, a quantidade de sal que deve ser aplicada é 46,8kg.

9.4. Redução dos níveis de gás carbônico. Tanques e viveiros com alta taxa de arraçoamento ou onde ocorreu morte súbita (“die-off”) do fitoplâncton podem apresentar elevada concentração de gás carbônico. Sistemas de aeração que promovem grande agitação na superfície da água (i.e. aeradores de pás) facilitam a difusão do gás carbônico para o ar, reduzindo a concentração deste gás na água. A manutenção de um adequado sistema tampão contribui para impedir o aumento excessivo nos níveis de CO2 livre na água.

  1. Origem e reciclagem dos resíduos orgânicos e metabólitos

   Durante o processo de produção é inevitável o acúmulo de resíduos orgânicos e metabólitos nos tanques e viveiros em sistemas de água parada ou sistemas de renovação de água intermitente. Antes de apresentar com maiores detalhes as principais fontes de resíduos orgânicos e metabólitos em sistemas aquaculturais, cabe uma melhor visualização do ambiente onde vive este peixe submetido às pressões de produção (Figura 2).

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10.1. Excreção dos peixes. Sob condições de cultivo intensivo (alta densidade de estocagem e alto nível de arraçoamento) o volume de fezes excretado diariamente pela população de peixes é uma das principais fontes de resíduos orgânicos em sistemas aquaculturais. A digestibilidade da matéria seca de rações de qualidade para peixes gira em torno de 70 a 75%. Isto significa que 25% a 30% do alimento fornecido entra nos sistemas aquaculturais como material fecal. O aumento na proporção de ingredientes de baixa digestibilidade (i.e. materiais com alto teor de fibra bruta ou com granulometria grosseira) em rações para peixes pode elevar ainda mais o montante de fezes excretadas.

A decomposição e reciclagem do material orgânico fecal nos tanques e viveiros é feita principalmente por ação microbiológica, às custas de um significativo consumo de oxigênio, resultando no acúmulo paralelo de metabólitos tóxicos aos peixes, como a amônia, o nitrito e o próprio gás carbônico.

A produção de amônia não é fruto exclusivo da decomposição e reciclagem de resíduos orgânicos. O próprio metabolismo protéico dos peixes tem como resíduo final a amônia. A amônia e o nitrito (um produto intermediário no processo bacteriano de oxidação da amônia à nitrato), são as principais substâncias ictiotóxicas (tóxicas aos peixes) nos sistemas aquaculturais.

A excreção de gás carbônico no processo respiratório dos peixes pode ser crítica em certos sistemas de produção. No entanto, em sistemas de água parada ou de renovação intermitente de água, a excreção de CO2 é, na maioria das vezes, pequena comparada à excreção de CO2 pelo plâncton. Altas concentrações de gás carbônico associadas a reduzidos níveis de oxigênio dissolvido na água podem causar asfixia e, até mesmo, massiva mortalidade de peixes.

10.2. Sobras de alimentos e fertilizantes orgânicos. Minimizar as sobras de rações é de fundamental importância na manutenção de adequada qualidade da água nos sistemas de produção. As rações comerciais usadas em piscicultura são basicamente de dois tipos: a peletizada e a extrusada. Uma comparação entre estes tipos de rações (Tabela 6) ressalta a necessidade de se adotar um manejo muito mais complexo com o uso de ração peletizada, de modo a evitar uma precoce deterioração da qualidade da água nos tanques e viveiros.

   Estercos, resíduos vegetais, material compostado, entre outros tipos de materiais orgânicos constituem importantes fontes de resíduos orgânicos em certos sistemas aquaculturais. É prática comum em vários países a utilização de resíduos animais (suínos, bovinos, aves e até resíduos humanos) como alimento direto ou como fertilizante na produção de peixes. A ação microbiana sobre estes resíduos e sobras de rações resulta na produção de metabólitos tóxicos e liberação de nutrientes às custas do consumo de oxigênio.

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  1. Qualidade do alimento e qualidade da água.

   Em piscicultura intensiva grande parte dos problemas de qualidade de água estão relacionados com o uso de alimentos de má qualidade e estratégias de alimentação inadequadas. A incidência de doenças e parasitoses aumenta proporcionalmente à redução na qualidade nutricional dos alimentos e na qualidade da água e podem causar significativas perdas durante o cultivo. Boa qualidade de água e manejo nutricional garantem a saúde e o desempenho produtivo dos peixes.

   É errôneo o conceito de que um alimento barato sempre reduz o custo de produção e faz aumentar a receita líquida por área de cultivo. Alimentos de alta qualidade apresentam menor potencial poluente, possibilitando um acréscimo de produção por unidade de área muito superior ao aumento no custo de produção, o que resulta em incremento da receita líquida obtida por área de cultivo.

11.1. Potencial poluente dos alimentos. Neste ponto caberia uma comparação entre o potencial produtivo e poluente dos diferentes tipos de alimentos usados em piscicultura (Tabela 7).

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Quanto pior a qualidade nutricional e estabilidade do alimento na água, maior a carga poluente e menor a produção de peixes. Isto explica o aumento na capacidade de suporte (máxima biomassa de peixes sustentada em um sistema) com a troca da cama de frango por alimentos mais completos. O baixo custo do alimento não é garantia de maior lucratividade no cultivo. A obtenção de uma maior receita líquida por área depende do aumento da produtividade e da redução dos índices de conversão alimentar. Cerca de 10,6 kg de cama de frango foi aplicado comparado a apenas 1,3 kg de ração extrusada para produzir 1kg de peixe. A obtenção de melhores índices de conversão alimentar explica a redução no custo de produção por quilo de peixe com o uso de uma ração de melhor qualidade, mesmo sendo esta a mais cara.

11.2. Níveis de arraçoamento e qualidade da água. Cole e Boyd (1986) determinaram o impacto dos níveis de arraçoamento diário sobre a qualidade da água em viveiros estáticos de produção do bagre-do-canal (Tabela 8).

O aumento nos valores de clorofila a indicam o aumento da população fitoplanctônica proporcionado pelo acúmulo de nutrientes, notadamente o N e o P, devido ao aumento nos níveis de arraçoamento. Excessivo crescimento do fitoplâncton aumenta a ocorrência de níveis críticos de oxigênio dissolvido, principalmente durante o período noturno. Níveis mínimos de oxigênio dissolvido igual ou menor que 1mg/l. foram observados quando os níveis de arraçoamento diário eram iguais ou superiores a 84kg/ha, exigindo aplicação freqüente de aeração de emergência.

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   Em viveiros onde foram aplicadas quantidades igual ou superior a 84 kg de ração/ha/dia, é provável a inibição do apetite e redução no crescimento devido aos níveis críticos de amônia não ionizada durante os períodos da tarde, quando os valores de pH se elevam para 8,5 a 9,5 em resposta à intensa atividade fotossintética. Portanto, mesmo aplicando aeração suficiente para manter adequada a concentração de oxigênio dissolvido, a toxidez por amônia pode limitar a capacidade de suporte de sistemas com elevadas taxas de arraçoamento a níveis inferiores àqueles obtidos quando há a possibilidade de renovação de água.

*Autor:  Fernando Kubitza, especialista em Nutrição e Produção de Peixes, mestre em Agronomia pela ESALQ – USP e Ph.D em aqüicultura pela Auburn University – Alabama, USA. Atualmente ocupa o cargo de Coordenador do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento do Projeto Pacu/Agropeixe.

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