Valor Agregado e a Qualidade do Pescado

Por: Cristiane Rodrigues Pinheiro 
Neiva Laboratório de Tecnologia do
Pescado do Instituto de Pesca – SP
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O valor agregado em produtos provenientes da piscicultura, não deve necessariamente estar vinculado a elaboração de produtos sofisticados e modernos e sim, prioritariamente, à qualidade intrínseca do pescado ou matéria-prima utilizada. Atualmente, o investimento em “Qualidade” é considerado o grande diferencial de um produto ou marca. A piscicultura propicia um alto nível de controle de qualidade sobre o peixe processado, pois os intervalos de tempo entre a despesca e o abate e, entre a morte do animal e a conservação do produto processado, são relativamente curtos, podendo levar apenas poucos minutos.

Dentre os produtos de origem animal, os peixes são os mais suscetíveis a processos de deterioração. Esta perecibilidade do pescado fresco pode ser explicada devido a ação de enzimas do próprio pescado e pela relação menos ácida de sua carne, que favorece o crescimento microbiano. Também a maioria da gordura dos peixes mostra ser mais susceptível à deterioração pela rancidez devido, principalmente, à elevada insaturação de seus lípides.

O pescado capturado sofre uma série de transformações bioquímicas, inicialmente associadas com a degradação de vários compostos presentes na carne e conseqüente ocorrência do rigor mortis. Nesta etapa, prevalece a condição de anaerobiose, isto é, falta de oxigênio e, ocorre a formação de ácido láctico, causando abaixamento do pH do músculo entre 6,0 a 6,5. Tal redução do pH parece influenciar as reações enzimáticas e a deterioração microbiana.

Sendo assim, a vida útil do pescado é determinada pelas reações enzimáticas e pelo número e espécies de microrganismos presentes, fatores estes dependentes de sua microbiota natural e pelo modo de manuseio desde a sua captura até a estocagem, fatores relacionados com as “Boas práticas de manipulação ou fabricação”.

Outro fator determinante da vida de prateleira ou vida útil do pescado é a temperatura de estocagem, a qual inclui as diversas etapas de obtenção do produto, desde a temperatura após a captura ou despesca, demora na refrigeração, flutuações na temperatura de estocagem e temperatura final no varejo. É fundamental que a partir da captura ou despesca do pescado, sejam adotadas medidas para reduzir ao mínimo a ação desses fatores, visando a obtenção de um produto final com condições adequadas de consumo. Um exemplo de adoção dessas medidas é a utilização do choque térmico no momento do abate, pois a redução de temperatura no interior da carne, pela ação da água com gelo, é consideravelmente mais efetiva e rápida, quando comparada à ação apenas do gelo

A lavagem da superfície do pescado com água limpa e tratada é outro fator que pode auxiliar na redução da carga microbiana originalmente presente, diminuindo a viscosidade, fragmentos de vísceras e outras sujidades, que contribuem para o aumento da carga microbiana superficial do pescado e aceleram sua deterioração.

De uma maneira geral, os fenômenos do rigor mortis têm início até 5 horas após a morte, cessando em torno de 30 horas após o início, quando o peixe é armazenado adequadamente sob refrigeração. Tecnologicamente, é importante retardar o aparecimento do rigor mortis, pois acredita-se que a maioria dos fenômenos relacionados com a deterioração somente acentuam-se após seu término.

Devido a alta perecibilidade do pescado, métodos alternativos de conservação são muito importantes. Encontramos assim, pescados salgados, defumados, congelados e enlatados. O tipo de conservação utilizada irá definir o tempo de vida-de-prateleira ou de conservação do produto. Entretanto, esta conservação deve ser tal, que o alimento mntenha ao máximo suas qualidades sensoriais e nutritivas, como também sua seguridade de consumo.

Visando um produto congelado de boa qualidade, é importante que a faixa de temperatura que vai de –1ºC a –5ºC seja ultrapassada o mais rapidamente possível, pois é esta faixa de temperatura que vai definir a velocidade de congelamento e não o tempo total de congelamento. De uma maneira geral, quando a faixa de –1ºC a –5ºC é ultrapassada em menos de 2 horas, a qualidade do produto é superior, e neste caso, o denominamos de congelamento rápido.

O pescado congelado lentamente não se distingue visualmente do pescado congelado rapidamente. Entretanto, no descongelamento, há uma perda de fluído intracelular ou fluído de exsudação, o qual pode representar até 10% do pescado congelado. No congelamento lento ou doméstico, a grosso modo, há formação de grandes cristais de gelo que rompem a estrutura celular e afetam a textura final do produto, após seu descongelamento. Portanto, para iniciar um processamento de pescado, é necessário, a adoção de um sistema eficiente de garantia de qualidade, de modo a propiciar uma utilização mais condizente das matérias-primas procedentes da piscicultura, através do emprego de uma estratégia de caráter preventivo, como por exemplo o Sistema APPCC – Análise dos Perigos e Pontos Críticos de Controle.

A adoção de sistemas de controle de qualidade e o controle dos problemas sanitários que afetam a saúde pública são imprescindíveis, mesmo em pequena escala. Tais como os produtos da pesca tradicional, os produtos oriundos da aqüicultura também sofrem rápida deterioração e estão suscetíveis a contaminações, portanto, necessitam dos mesmos cuidados básicos durante a manipulação ou processamento para sua posterior introdução nos diferentes canais de comercialização.